No dia 4 de março, celebramos a abolição da escravidão em Taubaté, uma data que deveria ser marcada por festividades e reflexões profundas. No entanto, ao olhar para a realidade que nos cerca, parece que a verdadeira liberdade ainda é um sonho distante. O passado nos assombra, e a sombra do coronelismo ainda prevalece, como se as correntes da história nunca tivessem sido realmente quebradas.
A pergunta que frequentemente se fala nas rodas de conversa é: “Você é filho de qual fulano?” Essa frase, que deveria ser apenas uma curiosidade, carrega em si a essência de uma hierarquia social que ainda persiste. O sobrenome, a linhagem, a origem — tudo isso ainda pesa mais do que o próprio mérito. O Vale do Paraíba, com sua beleza natural e história rica, esconde sob sua superfície as desigualdades que se perpetuam.
Caminhar pelas ruas de Taubaté é difícil, não notar a mistura de injustiça que permeia o cotidiano. A justiça, que deveria ser um direito universal, ainda é um privilégio de poucos. As oportunidades são distribuídas de maneira desigual, e isso se reflete em instituições como as faculdades de odontologia, onde a presença de alunos negros é ainda uma exceção, não a regra. O acesso ao conhecimento, à formação e ao futuro é frequentemente barrado por portas que permanecem fechadas. E quando se fala em meritocracia, a palavra soa como uma ironia amarga.
A meritocracia, dizem, é a solução para as desigualdades. Mas como pode ser meritocrático um sistema que ignora as vozes daqueles que, muitas vezes, não têm o poder de falar? Como podemos falar de mérito quando muitos são silenciados, quando não têm acesso à educação de qualidade, ao suporte necessário para prosperar, ou mesmo à oportunidade de brilhar? A meritocracia, nessa visão distorcida, se torna uma justificativa para a exclusão.
É fácil olhar para aqueles que conseguiram “chegar lá” e afirmar que “se esforçaram”, enquanto se ignora todo o contexto que moldou suas vidas. A verdade é que, para muitos, o caminho é repleto de obstáculos que não têm nada a ver com a capacidade, mas com a origem. A história não se apaga, e as marcas da escravidão ainda estão presentes nas estruturas sociais.
Neste 4 de março, enquanto lembramos a abolição, é vital que também olhemos para o presente. Precisamos questionar as narrativas que nos foram impostas e lutar por um futuro onde a justiça não seja um privilégio, mas um direito. Precisamos de espaços onde a diversidade seja celebrada e onde cada voz tenha o poder de ser ouvida. A luta pela igualdade e pela verdadeira liberdade é contínua e depende de cada um de nós. Que este dia sirva não apenas como um lembrete do passado, mas como um chamado à ação, para que possamos construir um Vale do Paraíba onde todos tenham a chance de brilhar, independentemente de seu sobrenome ou origem. O verdadeiro significado da abolição é a luta por um amanhã mais justo, onde a cor da pele não determine o destino.
Denilson Costa