A África que está dentro de mim é um canto de liberdade, uma herança viva em cada batida do meu coração. Mas, em um mundo que frequentemente transforma o essencial em superficial, fizeram da África uma pizza, fatiaram-na inteira, como se seus sabores exuberantes pudessem ser simplificados em pedaços menores, palatáveis apenas para o olhar externo.
A cada fatia, um pedaço da cultura foi arrancado. O ginga dos corpos que dançavam sob o céu estrelado tornou-se motivo de curiosidade para aqueles que não compreendem a profundidade de nossa história. O recheio, riquíssimas camadas de tradições, mitos e vivências, foram vendidos como itens de uma prateleira, enquanto os vendedores de histórias se aproveitavam de uma narrativa que não lhes pertencia.
Olho ao meu redor e vejo as pessoas encantadas com as cores vibrantes das roupas africanas, mas poucas se perguntam o que significam. O toque dos tecidos, o simbolismo do batik, as histórias que cada desenho carrega! São como os pedaços de uma pizza que foram oferecidos a uma mesa de convidados, mas que, sem a devida explicação, perdem sua história e essência.
Muitas vezes, a cultura é tratada como entretenimento, sem o respeito que merece. E o recheio… Ah, o recheio! O que era alimento se transformou em mercadoria. As vozes de resistência que, como no samba, na capoeira, no candomblé, foram reduzidas a um mix de ritmos de fundo, enquanto os novos chefs de cozinha cultural servem pratos que encantam sem nutrir. E a autenticidade, tão rica em cada ingrediente, foi diluída em rótulos e estereótipos. Mas a África dentro de mim não se limita a essa fatiagem.
À reflexão e uma chamada à ação. Carrego em meu ser a força dos que vieram antes de mim, aqueles que se levantaram resistência, que celebraram a vida nas pequenas coisas, que encontraram beleza mesmo nas feridas. A África que está em mim é complexa, onde cada fio conta uma história e cada nó simboliza a superação.A África que está dentro de mim exige que eu espalhe suas verdades, que eu resgate cada sabor perdido e ofereça um banquete farto, onde todos possam se deliciar sem se sentir alienado.
Com isso, posso trazer à tona o que muitos tentam esconder ou mercantilizar. E rezo para que as fatias se unam novamente, que o que foi diluído se recomponha para criar uma nova receita, uma que respeite o legado dos nossos antepassados e promova a igualdade, a solidariedade e o amor. A África que está dentro de mim não se deixará silenciar ou transformar em mera pizza. Ela será sempre um banquete, cheio de cores, sons e a rica mistura de histórias que nos fazem, todos, plena e verdadeiramente humanos.
Denilson Costa.