No município de Lorena, as histórias de resistência e opressão entrelaçam-se nas páginas de uma história marcada pela escravidão. Em 1833, a cidade contava com 1.187 escravos e 2.442 habitantes livres, em um total de 600 fogos “domicílio”. Com a crescente expansão da lavoura cafeeira, o número de escravizados aumentava, e com ele surgiam as preocupações das autoridades. Temiam que a cidade se tornasse palco de uma rebelião, semelhante àquela que devastou o Haiti, onde a busca por liberdade culminou em um massacre.
A inquietação das autoridades se concretizou nas Posturas aprovadas em 1832. Multas pesadas eram impostas a quem permitisse ajuntamentos de escravos em suas casas para divertimentos e jogos. Os escravos que desobedecessem enfrentavam punições severas, incluindo 50 açoites, enquanto também eram multados os senhores que se opusessem a essas punições.
Esse clima de repressão evidenciava um sistema em que a violência se tornava uma resposta constante à resistência dos escravizados. Os registros de assassinatos de feitores e senhores, em 1835 e 1839, revelam a brutalidade do sistema escravagista. As execuções, realizadas em locais públicos como o Largo do Cemitério e o Largo Imperial, eram um triste espetáculo de poder e medo. A forca, erguida para punir, servia como um lembrete sombrio das consequências da insubordinação. Fugas e capturas de escravos eram comuns.
Em 1835, uma fuga de 21 escravos no porto de Mambucaba, hoje em Angra dos Reis, Rio de Janeiro, resultou na captura de seis africanos novos e seis “ladinos” em Lorena. A sobrevivência muitas vezes levava os fugitivos a atacar e roubar, em um desespero por comida e liberdade. Em 1843, um ofício documentou a ocorrência de um ataque a uma mulher no bairro do Vinagre, hoje conhecido como Santo Antônio, por um fugitivo que havia matado seu senhor.
Em 1842, a Assembleia Legislativa Provincial aprovou novos artigos de postura que, embora permitissem algumas festividades, impunham severas restrições. Os subdelegados de polícia tinham o poder de dispersar ajuntamentos e a necessidade de um “bilhete” do senhor para deslocar-se era uma forma de controle extremo, que reforçava a opressão diária dos escravizados. As disposições de 1846 previam punições ainda mais rigorosas, como 50 açoites para escravos encontrados na rua após o toque de recolher.
Essas políticas eram comuns em diversos municípios da Província de São Paulo e evidenciavam a resistência de um sistema que se sustentava na violência e na exploração. Os conflitos que permeavam a escravidão revelavam a luta constante pela liberdade. Os escravos eram fundamentais para a riqueza colonial e, portanto, a sua resistência era uma ameaça ao status quo. As vozes de resistência não eram silenciadas; ao contrário, nas ações de rebeldia e na busca por liberdade. Um dos exemplos mais notáveis é o de Luiz Gonzaga Pinto da Gama, um jovem que fugiu da fazenda de Antonio Pereira Cardozo, um fazendeiro cruel que assassinou quinze de seus escravos em um ato de barbárie em 1861. Luiz, que descobriu sua condição de liberdade após receber educação de um visitante, tornou-se um defensor da alforria, promovendo ações na Justiça e lutando pela liberdade de outros. A ironia cruel da história é que o senhor que tratou seus escravos com tanta brutalidade acabou permitindo a fuga de um futuro ícone do abolicionismo.
Luiz Gama, que se tornou um advogado respeitado e uma voz poderosa na luta pela liberdade, simboliza a resistência e a luta contra a opressão. O ano de 1848, marcado pela grande repressão dos escravos em Lorena, também se torna um marco de resistência. A história de Lorena, com suas cicatrizes e vozes silenciadas, é um lembrete da luta incessante pela liberdade e dignidade. As lições desse passado nos instigam a refletir sobre nossas responsabilidades no presente e no futuro, para que a busca por justiça e igualdade continue nas gerações que virão.
Denilson Costa
Fonte: Acervo Histórico Alesp