A organização iniciática estabelecida em todos os cantos do país, difundiu-se e consolidou-se como espaço de sociabilidade, principalmente, entre as camadas sociais mais abastadas da sociedade. A participação de homens provenientes de camadas mais pobres na organização ganhou o respaldo da própria legislação maçônica. Para além de discutir a presença de homens de “cor” na maçonaria, busca-se compreender o significado social que esses homens atribuíam a organização.
Conforme observado por Françoise Jean de Oliveira Souza e Marco Morel, no livro “O poder da maçonaria. A história de uma sociedade secreta no Brasil.” A maçonaria no Brasil do século XIX carregava em si elementos próprios de modelo de sociabilidade, pois era uma sociedade de ajuda mútua, iniciática, acrescida de outros elementos como a ritualística e o segredo compartilhados por aqueles que nela ingressam.
Tínhamos aí uma espécie de “apadrinhamento maçônico”, novidade que atrairia, sobremaneira, jovens estudantes, carreiristas iniciantes, bem-nascidos, mas também homens remediados, das camadas menos privilegiadas. As possibilidades vislumbradas na maçonaria atrairiam também personagens negros importantes como Francisco Gê Acaiaba Brandão de Montezuma (1794-1870); Joaquim Saldanha Marinho (1816-1895), Luiz Gama (1830-1882), José do Patrocínio (1853-1905), André Rebouças (1838-1898) Francisco Glicério (1846-1916) Eutíquio Pereira da Rocha (1820-1880) tantos outros, cujas identidades étnicas maçônicas não nos foram reveladas.
O fato é que para esses homens negros constantemente preocupados em estarem na vanguarda das novas correntes de pensamento, tais como o republicanismo, anticlericalismo e o abolicionismo, de inspiração europeia e norte-americana, a maçonaria serviu como esteio às suas ambições. Ela aglutina pessoas com posições políticas distintas, consolidando-se como espaço para o diálogo, ambiente propício à discussão. Assim sendo, esses homens trataram logo de se incorporarem a esse formato de organização
Segundo Margaret Jacob, o iluminismo maçônico propunha que a “igualdade natural” fosse substituída pelo mérito individual e direitos humanos. Assim sendo, seria proibido em espaço maçônico haver distinção por raça, cor, religião ou origem social entre os irmãos. Todos deveriam ser vistos como iguais e, quando iniciados à maçonaria, os irmãos deveriam abandonar as diferenças impostas pela sociedade e seguir adiante considerando tão somente os talentos e virtudes dos confrades. Sendo assim, a posição ou prestígio que, porventura, o irmão viesse a adquirir ao longo de sua trajetória maçônica dependeria estritamente de suas habilidades.
Isso permitiria que um homem desprovido de posses, fora da maçonaria, pudesse no interior do círculo maçônico ocupar cargos de prestígios, tais como o de venerável, primeiro vigilante, segundo vigilante, orador e tesoureiro. No interior da maçonaria a posição hierárquica de um indivíduo era determinada segundo os graus maçônicos, seguido de acordo com os ritos adotados por suas respectivas lojas. O rito Escocês Antigo e Aceito, trazido e difundido por Montezuma, era o mais professado.
As ordens maçônicas nos Estados Unidos impunham restrições raciais por acreditarem que os brancos eram superiores aos negros, motivo mais que suficiente para que esses homens não se cruzassem em espaço maçônico, a exemplo do que já ocorria no espaço profano. Já no Brasil os militantes da causa Maçônica não eram afastados por motivos de cor.
Muitas lojas, registrou-se a iniciação de “homens de cor”, cujas identidades raciais eram socialmente reconhecidas: Joaquim Saldanha Marinho, Francisco Paula Brito, José do Patrocínio (Loja Tradição e Virtude), Eutíquio Pereira Rocha (Loja Harmonia), Francisco Gê Acayaba Montezuma, Serafim Antônio Alves e João Cândido Soares Meirelles. Vale ressaltar a declaração pública feita pelo padre maçom Eutíquio Pereira Rocha a um desafeto: “sou um negro arrojado e atrevido”
Chama a atenção o fato de a maioria dos maçons de “cor” terem ocupado posições de relevo na organização. Luiz Gama, por exemplo, destacou-se como líder da Loja América por anos consecutivos; Ferreira de Menezes ocupou as funções de representante da loja no Rio de Janeiro e ainda desempenhou os cargos de orador e primeiro vigilante; Joaquim Saldanha Marinho encabeçou o movimento que resultou na criação da obediência maçônica do Grande Oriente dos Beneditinos, que vigorou entre os anos de 1863 a 1882; o baiano Eutíquio Pereira Rocha tornou-se uma referência na maçonaria do Pará depois de ocupar os cargos de venerável e assumir a chefia do jornal maçônico O Pelicano; Gê Acayaba Montezuma marcou a história da organização ao introduzir no Brasil o Rito maçônico Escocês Antigo e Aceito que se tornou um dos ritos mais populares. Esses maçons “de cor” estavam na vanguarda do Movimento Abolicionista, como Luiz Gama e André Rebouças e do Golpe Republicano de 1889, como José do Patrocínio e Francisco Glicério, que enxergavam o regime Monárquico como uma fase histórica do Brasil a ser superada.
Já no período pós-abolição como verifica-se nos registros de ata das Lojas, havia explícita resistência a iniciação de “homens de cor” e isso certamente colaborou para que a presença do grupo na maçonaria diminuísse sensivelmente.
O aumento de lojas maçônicas no Segundo Reinado e de iniciações modificou sensivelmente o perfil dos iniciados que passaram a ser também destacados das camadas mais empobrecidas da sociedade, especialmente depois da década de 1870. A disputa entre as ordens maçônicas provocou a abertura temporária dos templos aos grupos sociais menos abastados, culminando portanto no ingresso de “homens de cor”, nascidos livres e libertos.
No entanto, com o avanço das décadas, o desprestígio gerado pelo ingresso “descontrolado” de novos membros, na percepção dos próprios membros, levaria as ordens maçônicas a diminuírem a iniciação de grupos marginalizados”
Fonte: Maçonaria: um lugar para a sociabilidade de homens de cor, nascidos livres e libertos. Renata Ribeiro Francisco AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na província de São Paulo. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 2010.
Denilson Costa