A história da medicina e dos cuidados de saúde no Brasil é marcada pela riqueza e diversidade de saberes que atravessam diferentes culturas e períodos. Entre esses saberes, destaca-se a prática das ventosas, uma técnica de medicina tradicional que, embora muitas vezes ignorada, foi amplamente utilizada por africanos e seus descendentes durante o período da escravidão.
A ventosa, técnica conhecida por suas propriedades terapêuticas, consiste na aplicação de copos em regiões do corpo para a promoção de circulação sanguínea e alívio de dores. Embora a técnica tenha raízes em diversas tradições médicas ao redor do mundo, na cultura africana, ela se incorporou a um conjunto mais amplo de práticas curativas, que incluíam ervas, rituais e espiritualidade.
O uso da ventosa era um dos muitos métodos pelo qual os africanos buscavam garantir a saúde e o bem-estar em um contexto adverso, marcado pela violência e pelo sofrimento. Na escravidão, a vida dos negros era impregnada por opressão, e sua saúde frequentemente era negligenciada pelos opressores. Entretanto, as comunidades escravizadas desenvolveram formas de resistência, e o cuidado com o corpo e a saúde tornou-se uma forma de resistência cultural.
A prática das ventosas, entre outras, não apenas aliviava dores físicas, mas também simbolizava a luta pela preservação da identidade e da cultura. Na cultura africana, cuidar é sinônimo de curar. O cuidado não se restringe ao tratamento de doenças, mas é um aspecto holístico que abrange o indivíduo em sua totalidade, corpo, mente e espírito.
Os curandeiros e as parteiras, muitas vezes liderando as comunidades, utilizavam a ventosa como uma prática que integrava conhecimentos sobre o corpo humano, o ambiente e a espiritualidade. A utilização da ventosa pelos africanos e afro-brasileiros não estava apenas relacionada ao alívio de dores físicas, mas, muitas vezes, à crença de que a saúde física e espiritual era interligada. As técnicas de cura eram frequentemente acompanhadas por rezas, danças e outras práticas culturais que resgatavam um senso de pertencimento e resistência.
Com a chegada da colonização e a imposição das práticas médicas ocidentais, muitos saberes tradicionais foram deslegitimados e, muitas vezes, reprimidos. O apagamento cultural resultou em um desvio da valorização das práticas curativas afros, que enfrentaram estigmas associados à sua “inferioridade” em relação à medicina ocidental. Contudo, a prática das ventosas e outras técnicas de medicina popular têm se reestabelecido nos últimos anos, com o crescente reconhecimento da importância da medicina tradicional e dos saberes ancestrais. Iniciativas de valorização da cultura afro-brasileira têm resgatado e promovido essas práticas como importantes formas de cura e autocuidado. Cuidar é curar e, na trajetória dos negros escravizados, essa relação fica evidente nas práticas de saúde que cultivaram ao longo de séculos. A ventosa representa não apenas uma técnica de alívio físico, mas um símbolo de resistência cultural e resiliência diante das adversidades. Reconhecer e valorizar essas práticas é um passo fundamental na luta pela equidade e valorização da medicina tradicional, que, ao lado da medicina ocidental, deve coexistir em um sistema de saúde verdadeiramente inclusivo e abrangente. A história da ventosa e do cuidado afro-brasileiro é uma reflexão sobre a complexidade das relações de cura e a importância de respeitar e preservar as heranças culturais que ainda permanecem na construção de uma saúde mais justa e integral.
Denilson Costa