Uma pesquisa inédita revela um cenário preocupante no acesso à saúde no Brasil: mais de seis em cada dez brasileiros que necessitaram de atendimento médico no último ano optaram por não buscar ajuda. O estudo “Mais Dados Mais Saúde”, divulgado nesta quinta-feira (25/04), aponta falhas na Atenção Primária à Saúde (APS), principal porta de entrada para o sistema público e privado.
A pesquisa, conduzida pelas organizações Vital Strategies e Umane em parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e apoio do Instituto Devive e da Resolve to Save Lives, entrevistou 2.458 adultos brasileiros entre agosto e setembro de 2024.
Problemas
Os motivos para a desistência do atendimento, mesmo em situações de necessidade, são diversos e indicam problemas tanto estruturais quanto culturais. Os principais entraves mencionados incluem a superlotação e a demora no atendimento (46,9%), a burocracia no encaminhamento (39,2%), o hábito da automedicação (35,1%) e a percepção de que o problema de saúde não era grave (34,6%).
O levantamento expõe uma sobrecarga no sistema de saúde, mas também um comportamento comum de recorrer a soluções não médicas, o que pode levar ao agravamento de quadros de saúde simples.
Além da desistência, a dificuldade em obter atendimento mesmo após a busca também é significativa. Entre os entrevistados, 40,5% afirmaram ter procurado ajuda médica sem sucesso, devido a fatores como tempo de espera excessivo (62,1%), falta de equipamentos (34,4%), ausência de profissionais qualificados (30,5%) e falta de atenção durante a consulta (29%).
Thaís Junqueira, superintendente-geral da Umane, enfatiza o papel crucial da APS: “Como porta de entrada do SUS e em seu papel de ordenadora do cuidado, a Atenção Primária à Saúde deve estar organizada de modo a garantir que a maioria das questões de saúde da população sejam preveníveis e tratáveis, sem que evoluam para quadros mais complexos. Fortalecer estes mecanismos para que a população busque cuidado oportunamente quando necessário e receba o atendimento que precisar é fundamental para termos um sistema de saúde mais eficiente e resolutivo.”
Especialistas envolvidos na pesquisa concordam que os dados evidenciam importantes áreas de melhoria para que a APS cumpra integralmente seu papel de prevenção, tratamento precoce e coordenação do cuidado.
Qualidade no atendimento
A pesquisa também revela aspectos positivos na qualidade do atendimento para aqueles que conseguiram acesso. A maioria dos respondentes avaliou positivamente o respeito à privacidade (79,2%) e a clareza das explicações fornecidas (75,1%). A confiança no profissional (67,8%), a possibilidade de fazer perguntas (64,4%) e a participação nas decisões sobre o tratamento (59,8%) também receberam boas avaliações. No entanto, o tempo de espera e a dificuldade de encaminhamento continuam sendo pontos críticos, com avaliações negativas de 57,6% e 51,5% dos entrevistados, respectivamente.
Luciana Sardinha, diretora-adjunta de doenças crônicas não transmissíveis da Vital Strategies, ressalta a necessidade de investimentos contínuos: “Esses achados sugerem que, embora a maioria dos usuários do sistema de saúde público e privado relate experiências positivas em suas consultas, persistem desafios importantes e estruturais que dificultam o acesso e a qualidade da Atenção Primária à Saúde. São necessárias melhorias que garantam investimentos contínuos e aprimoramento dos serviços para promover maior equidade no cuidado à saúde da população.”
A coleta de dados foi realizada online, com anúncios direcionados para alcançar uma amostra nacional representativa, ajustada conforme dados do Censo 2022 e da PNS 2019. Esse método permitiu uma coleta rápida, de baixo custo e com ampla abrangência. Pedro de Paula, diretor-executivo da Vital Strategies, avalia: “Esse é um passo importante para modernizar a vigilância em saúde e responder rapidamente a contextos emergenciais.”
Além de diagnosticar o acesso à APS no Brasil, a pesquisa tem um objetivo internacional, com o questionário sendo testado em diversos países para validar uma nova escala global de avaliação da atenção primária.
Com informações de Agência Bori
Wagner Sales – Editor de conteúdo
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