Rio – O prefeito Eduardo Paes e o secretário de Saúde, Daniel Soranz, apresentaram o plano de contingência para o enfrentamento da epidemia de dengue no município do Rio. O planejamento prevê uma série de medidas para a assistência da população e o combate ao Aedes aegypti, o mosquito transmissor da virose e também da zika e da chikungunya. Entre as estratégias estão a criação do Centro de Operações de Emergência (COE-Dengue); a abertura de dez polos de atendimento para a doença distribuídos por toda o município; a dedicação de leitos para pacientes com dengue nos hospitais da rede municipal; o uso de carros fumacê nas regiões com maiores incidências de caso e a entrada compulsória em imóveis fechados e abandonados.
– Diante dos números crescentes de casos de dengue na cidade caracterizando uma epidemia da doença, queria lembrar algumas coisas para a população. Vidas se perdem em razão da dengue. Mas, ao contrário da pandemia de covid-19, em que o cidadão individualmente não podia fazer muita coisa a não ser cobrar dos governantes que conseguissem a vacina, no caso da dengue depende muito da ação de cada cidadão. A absoluta maioria dos casos a pessoa pega em casa ou perto do local onde mora por absoluto descuido com a história de água parada. Estamos apresentando as medidas que vamos tomar, mas eu faço um apelo enfático à população de que não adianta só apontar o dedo para os governos ou culpar o mosquito. Nós, enquanto cidadãos, acabamos criando o ambiente propício para a proliferação da dengue – afirmou Eduardo Paes.
Dez mil casos da dengue
Neste início de ano, o município do Rio de Janeiro já registra mais de 10 mil casos da dengue, com uma taxa de incidência de 160,68 por 100 mil habitantes. Durante todo o ano de 2023, foram 22.959 casos. Os números da doença são altos em todo o Brasil, o que acende o alerta para a urgência de ações, tanto do poder público quanto da população. Em todo o país, são 243,7 mil casos, com 24 óbitos confirmados e 163 em investigação. Os três estados com maiores taxas de ocorrência são o Distrito Federal, Minas Gerais e Acre. O estado do Rio de Janeiro aparece na sétima posição, com 17,7 mil casos da doença. A maior incidência está na população adulta, em especial nas faixas etárias de 30 a 39 anos e de 40 a 49.
– Em um único mês de 2024 nós já temos quase a metade dos casos de todo o ano anterior, o que gera uma preocupação intensa. A gente vê o limite superior bem marcado, muito acima do que esperávamos. E isso configura uma situação epidêmica. Temos um aumento do número de casos sustentado na série histórica, com repercussões nas clínicas dos pacientes e na rede assistencial. Também para configurar epidemia é necessário que tenhamos o número de casos espalhados em mais de uma região da cidade. E isso acontece no município do Rio. Nos últimos 90 dias, a curva é ascendente, chegamos a ter, num único dia, 569 casos notificados. Estamos bem acima do que é considerado limiar muito alto, o que configura a situação epidêmica na cidade do Rio – disse Daniel Soranz.
No município do Rio, a combinação de altas temperaturas (que acelera a eclosão dos ovos e o desenvolvimento das larvas), chuva frequente (que forma os acúmulos de água) e a circulação de três sorotipos da doença (DENV1, DENV2 e DENV4) torna o cenário mais favorável à ocorrência da doença. A Zona Oeste, em especial as regiões de Campo Grande/Santíssimo/Guaratiba e Santa Cruz/Paciência/Sepetiba, são as que registram as maiores taxas de incidência de dengue e, por isso, vêm recebendo intensificação das ações da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), previstas no Plano Verão. Somente este ano, agentes de vigilância em saúde já inspecionaram 381.652 imóveis em toda a cidade, com tratamento ou eliminação de 98.688 recipientes que poderiam servir de criadouros do mosquito. Em todo o ano de 2023, foram mais de 11 milhões de inspeções em imóveis e mais de 2 milhões de potenciais criadouros eliminados.
A SMS também realiza ações educativas e de mobilização social para orientar a população sobre as medidas para a prevenção das arboviroses urbanas, visando despertar a responsabilidade sanitária individual e coletiva, já que a maioria dos focos do mosquito se encontra dentro do ambiente domiciliar. O combate à dengue deve ser um pacto social em que toda a sociedade se envolva, cada cidadão fazendo a sua parte para evitar a proliferação do Aedes aegypti. Quando necessário, a população pode fazer pedidos de vistoria ou denunciar possíveis focos do mosquito pela Central de Atendimento da Prefeitura, no telefone 1746. Em 2024, até o momento, 96% dos chamados de inspeção contra focos de dengue recebidos por este canal foram atendidos dentro do prazo.
As principais recomendações para a população são evitar água parada em suas casas em recipientes como vasos de planta, pneus velhos, tonéis d’água, piscinas, garrafas e vasilhames, entre outros; limpar periodicamente locais como lixeiras, ralos, bebedouros de animais e outros objetos que possam acumular água; não despejar lixo irregularmente em terrenos baldios e outros locais inadequados. Em caso de sintomas como dor de cabeça, atrás dos olhos, no corpo e nas articulações; febre alta; mal-estar e manchas vermelhas pelo corpo é preciso procurar atendimento médico o mais breve possível.
– É muito importante ficar atento porque o diagnóstico precoce faz muita diferença no desfecho clínico, evitando internações e óbitos. Já começamos a ver um aumento nos atendimentos nas unidades de urgência e emergência. Nós batemos o recorde de internação de dengue na história do município, com 362 casos de pessoas internadas somente no mês de janeiro – declarou Soranz.
Criado nos mesmos moldes do Centro de Operações de Emergência para a covid-19, o COE-Dengue funcionará nas dependências do COR. Suas atribuições serão planejar, organizar, coordenar e monitorar as ações de enfrentamento à dengue; elaborar protocolos e análises relacionadas à situação epidemiológica da doença na cidade; divulgar informações relativas à emergência de saúde pública, como boletins epidemiológicos; deliberar sobre os estágios de aplicação das medidas protetivas para cada região do município.
O COE-Dengue vai estabelecer as prioridades de informações, facilitar a comunicação e atuar como elo de ligação com outras instituições e esferas de governo. A coordenação será da Superintendência de Vigilância em Saúde da Subsecretaria de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde (SUBPAV) da SMS. O COE-Dengue contará com mais de 20 técnicos de órgãos integrantes da estrutura da SMS.
Polo de atendimento em Curicica
Na próxima segunda-feira (5/2), o primeiro polo de atendimento para pacientes com dengue será inaugurado no CMS Raphael de Paula Souza, em Curicica, na Zona Oeste. Ao todo estão previstos dez polos, em todas as regiões da cidade, que serão abertos gradativamente, conforme o crescimento do número de casos. Eles funcionarão nas dependências de unidades de Atenção Primária e contarão com equipes dedicadas formadas por médico, enfermeiro e técnicos de enfermagem, que farão o diagnóstico e assistência, classificação segundo o critério de risco e tratamento dos pacientes com dengue. Além disso, os 150 centros de hidratação montados no final do ano passado nas unidades de saúde para o atendimento de pacientes devido aos efeitos do calor também serão usados na assistência às pessoas com dengue.
Para os quadros mais graves, com indicação de internação, os pacientes serão regulados pela Central Municipal de Regulação como vaga zero (emergência) e transferidos para leitos dedicados à dengue nos hospitais da rede de urgência e emergência do município. O Hospital Municipal Ronaldo Gazolla (HMRG), em Acari, poderá funcionar como unidade de concentração para a doença, inicialmente com 20 leitos. O HMRG, que durante a pandemia da covid-19 foi referência para o tratamento dos pacientes com quadros mais graves, tem expertise e preparo para passar rapidamente pelas alterações de fluxo necessárias em uma nova situação de epidemia. Ao todo, a unidade conta com 400 leitos.
– A experiência que eu tive na epidemia que ocorreu na cidade do Rio em 2012 é que os polos de hidratação e o diagnóstico precoce foram fundamentais para evitar mortes. Tivemos uma grande quantidade de casos, mas um número baixo de mortes. Claro que se pudermos evitar casos porque as pessoas foram mais zelosas cuidando do seu espaço, melhor. Mas se isso não for possível, nós precisamos prestar esse atendimento. Quem apresentar os sintomas busque identificar, diagnosticar nesses polos e nas unidades de saúde. Hidratação é o remédio mais eficiente para um tratamento de dengue – disse Eduardo Paes, lembrando que a diferença em relação à epidemia de 2012 é que, atualmente, a rede de atendimento é muito mais ampla, com muito mais agentes de saúde, unidades e equipamentos.
Aplicação especial do inseticida
Devido ao crescente aumento do número de casos de dengue, a SMS passará a utilizar 16 carros para aplicação espacial do inseticida UBV, o chamado fumacê. Esse instrumento é utilizado em condições específicas definidas nas Diretrizes Nacionais para Prevenção e Controle da Dengue, do Ministério da Saúde, para bloqueio de transmissão e controle de surtos ou epidemias. O uso indiscriminado desse método de aspersão do inseticida pode causar danos à saúde e ao meio ambiente, além de eliminar também os predadores naturais do mosquito. O cenário epidemiológico atual, no entanto, justifica o uso dos carros fumacê nas regiões com maiores incidências de dengue, como a Zona Oeste da cidade.
Também como medida de controle do vetor serão realizadas entradas compulsórias em imóveis fechados e abandonados para realização de vistorias e tomada de medidas preventivas e de eliminação dos possíveis criadouros do mosquito. A entrada compulsória é um instrumento legal para respaldar o acesso dos agentes de saúde aos imóveis particulares cujos proprietários não são localizados para liberar espontaneamente a entrada dos servidores. Trata-se de uma medida regulada por decreto em que são estabelecidos os critérios para sua adoção, como notificações prévias e por escrito ao proprietário e prazo para que ele entre em contato com o serviço público para franquear o acesso e realização da ação preventiva no imóvel.
– O combate ao vetor do mosquito começa na casa da gente. De cada três casos de dengue, dois são encontrados no domicílio do paciente. Vamos voltar a intensificar a entrada compulsória em imóveis. Tem um decreto que permite que a gente multe e limpe o terreno, mandando a conta para o proprietário. Essa é uma situação bastante crítica, mas muito importante – afirmou Soranz.
A SMS iniciará a vacinação de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos contra a dengue no município do Rio tão logo os imunizantes estejam liberados pelo Ministério da Saúde. A expectativa é de que em uma semana toda a população-alvo esteja vacinada, o que representa 354 mil indivíduos. A vacina estará disponível em todas as 238 unidades de Atenção Primária e no Super Centro Carioca de Vacinação. Além disso, terá início o estudo com a vacina na região de Guaratiba, na Zona Oeste, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Ministério da Saúde. A pesquisa prevê a imunização de 20 mil pessoas de 20 a 40 anos.
Na pesquisa, a vacina será aplicada de maneira escalonada, em esquema vacinal de duas doses com intervalo de 90 dias entre elas, totalizando 40 mil doses aplicadas. As pessoas que participarão do estudo serão sorteadas entre os usuários cadastrados nas unidades de Atenção Primária dos bairros localizados na região de Guaratiba – Guaratiba, Barra de Guaratiba, Pedra de Guaratiba e Ilha de Guaratiba. A participação é voluntária. Ao todo, há 130 mil pessoas elegíveis nessa região.
A aplicação da primeira dose corresponde à etapa inicial do estudo. Na segunda fase, os participantes completarão o ciclo de imunização exatos três meses após receberem a primeira dose. A aplicação da vacina independe de infecção prévia pelo vírus da dengue. Antes de iniciar a imunização, os usuários farão um exame de sorologia, que determinará quais deles já tiveram contato com algum sorotipo do vírus da doença.
Com o objetivo de gerar novas evidências científicas sobre a vacinação contra a dengue, o estudo busca verificar a efetividade na população adulta do imunizante Qdenga, recém-incorporado pelo Ministério da Saúde ao Programa Nacional de Imunizações (PNI). A região de Guaratiba foi escolhida como alvo da pesquisa por ter histórico de alta incidência da doença em sua população.
O estudo terá a duração total de dois anos, período em que os cientistas colherão informações de casos, hospitalizações e óbitos para observar a diferença de comportamento do vírus entre vacinados e não vacinados. O estudo é coordenado pelo infectologista José Cerbino Neto (Fiocruz), que também conduziu a pesquisa sobre a imunização em larga escala contra a covid-19 na Ilha de Paquetá, em 2022.
Fabricada pelo laboratório japonês Takeda, a vacina Qdenga foi aprovada pela Comissão Nacional de Incorporações de Tecnologias (Conitec), do Ministério da Saúde, e incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Ela é feita com o vírus vivo atenuado e interage com o sistema imunológico de modo a provocar uma resposta semelhante à gerada pela infecção natural. A vacina é segura e o uso foi aprovado pela Anvisa.
O imunizante confere proteção contra os quatro subtipos do vírus da dengue existentes (DENV1, DENV2, DENV3 e DENV4) e por isso deve ser aplicado inclusive em quem já teve a doença.
Levantamento de Índice Rápido do Aedes aegypti (LIRAa)
Segundo dados do mais recente Levantamento de Índice Rápido do Aedes aegypti (LIRAa), realizado entre 7 e 13 de janeiro, 77,2% dos recipientes que poderiam servir de criadouros para o mosquito são encontrados no ambiente domiciliar: depósitos móveis, como vasos de plantas, bebedouros e objetos religiosos (32,3%); depósitos fixos, como tanques, calhas, ralos, lajes e sanitários (24,8%); e depósitos ao nível do solo, como tonéis, tambores, barris e tinas (20,1%).
No LIRAa, o município é dividido em estratos (grupos) de 8,2 mil a 12 mil imóveis com características semelhantes e, em cada um desses recortes, 20% dos imóveis são visitados pelos agentes de vigilância ambiental em saúde para verificar se existem focos de larvas do mosquito e quais os tipos de depósitos mais comuns em cada região que servem como criadouros.
Na primeira edição do levantamento, em 2024, o índice de infestação do município ficou em 0,79%, nível considerado satisfatório. Dos 250 grupos territoriais do estudo, 76 (30,4%) ficaram com índice de infestação predial (IIP) entre 1% e 3,9%, o que configura nível de alerta; e três (1,2%) receberam classificação de risco, ou seja, com IIP superior a 3,9%. Todas as três regiões com nível de risco ficam na região de Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade.
Com informações de assessoria
Wagner Sales – Editor de conteúdo