São Gonçalo (RJ) – Histórica, foi assim que os participantes da audiência pública realizada na Câmara de vereadores de São Gonçalo (RJ), na última sexta-feira (15/3), convocada pelo Gabinete da Vereadores Priscilla Canedo (PT). Intitulada Política Nacional de resíduos Sólidos – A Importância das Cooperativas de Recicláveis e uma Política Integrada de Sustentabilidade, a audiência contou com a participação de representantes da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), como a Deputada Estadual Marina do MST (PT), Denise Lobato, assessora do deputado estadual Carlos Minc, os deputados federais Dimas Gadelha (PT), e Flávia Morais (PDT), da 8ª Subsecção da OAB, Márcio Luis Marques, da Presidente da Cooper Brasil Recicla, Laudicea Basílio, Pablo Alfradique, secretário de Meio Ambiente do PT de São Gonçalo, e da professora Ângela Soledade, que representou a Secretaria Municipal de Educação.
Causou estranheza aos participantes o não comparecimento de representantes das secretarias municipais de Meio Ambiente, e de infraestrutura. A falta deixou no ar um problema que não se explica, a razão da cidade não ter implantado até agora a Lei nº 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) que contém instrumentos importantes para permitir o avanço necessário ao País no enfrentamento dos principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado dos resíduos sólidos.
Proposição de medidas
A audiência foi marcada pela proposição de medidas para que vigore a lei vigero plenamente em São Gonçalo. Uma das que falaram foi Denise Lobato. De acordo com ela, a lei pode ser considerada um estatuto dos catadores e catadoras, porque a atividade é citada o tempo todo.
“Infelizmente, essa lei não é cumprida pela esmagadora maioria dos municípios brasileiros. No Estado do Rio de Janeiro, além do cumprimento da lei 12.305, existe um prêmio a mais para as prefeituras que trabalham bem a questão ambiental. E uma delas é a questão do resíduo. É a lei do ICMS ecológico, que foi criada pelo Minc muito antes da lei 12.305 existir. As prefeituras são premiadas quando fazem coleta seletiva, com a participação de catadores como manda a lei”, disse.
Durante a audiência, Lobato apresentou o último mapeamento ecológico feito em 2023, para ser pago em 2024. A pesquisa tem participação direta das prefeituras do estado. De acordo com ela, a prefeitura de São Gonçalo declarou no ano passado que não faz coleta seletiva, que possui uma estimativa mensal de 33 mil 266 toneladas de resíduos, o que deixa claro que a lei não é cumprida.
A assessora lembrou que fazer coleta seletiva é obrigatório. “Se você tem um aterro sanitário, que custa uma fortuna, e que imobiliza um terreno imenso de um município que serve também para outros que administram juntos aquele aterro sanitário, a vida útil daquele local tem que ser muito longa, portanto só pode ir para o aterro sanitário o lixo orgânico e mesmo assim esse material pode e deve gerar energia. Como Minc gosta de dizer: “lixo não existe, é matéria prima fora do lugar”, ressaltou.
Na audiência, Denise Lobato lembrou que “a cooperativa de catadores e catadoras não pode viver apenas da venda do material reciclado. “As cooperativas precisam ser pagas pelo serviço prestado, que, segundo a lei, as cooperativas devem ser contratadas pelas prefeituras para fazer a coleta seletiva. Raras são as prefeituras desse país que podem afirmar que na cidade não tem uma cooperativa. E mais: um síndico não pode vender material reciclável, porque o material é um bem econômico e de valor social gerador de trabalho e renda, promotor da cidadania. Ele necessariamente tem que passar pela mão dos catadores e catadoras”, afirmou.
Para encerrar sua participação na mesa, Denise aconselhou as prefeituras a fazerem educação ambiental, porque sem isso ninguém vai saber separar o material reciclado do orgânico. Ela aconselhou ainda os prefeitos a contratar e remunerar as cooperativas para que elas façam a coleta seletiva domiciliar, e que os administradores promovam uma busca ativa entre os catadores de rua para convidá-los a participar das cooperativas.
Contratação das cooperativas de catadores
Em sua fala, Márcio Luis Marques, da OAB mostrou conhecimento sobre a rotina do setor, condenou a falta de sensibilidade das prefeituras na contratação das cooperativas de catadores para fazerem a coleta seletiva de resíduos, e da importação de material reciclável que prejudica o mercado interno. O exemplo citado por ele, é o caso do papelão importado da China a 1 centavo. Esse valor gera um desestímulo da indústria de comprar o papelão dos trabalhadores.
Márcio Marques citou o caso da implantação dos eco pontos em São Gonçalo. “Os valores pagos nesses ecopontos são aviltantes. O valor que é pago pelos eletrônicos é de 5 centavos, o mesmo para o papelão, pet a 1,20. Você tem uma discrepância muito grande, o operador do local é uma empresa, que está ganhando 100, 200, 300 por cento de margem de lucro, e existe uma maquiagem de que se está fazendo uma ação social”, criticou.
O advogado sugeriu à prefeitura que valorize as cooperativas locais e que os eco pontos tenham a participação das cooperativas locais. “Não é razoável que uma empresa domine toda coleta seletiva do município. Logisticamente não é interessante, porque você acaba tendo uma produção de carbono para manusear. O perfil dos catadores é de cerca de 85% de mulheres. É preciso o apoio da prefeitura para esse setor porque se não acaba fazendo green washing, com uma exploração eminentemente capitalista, para uma atividade que necessita também de um trabalho de educação ambiental. Além disso, evitar a precarização”, ressaltou.
Apoio da Vereadora Priscilla Canedo
A presidente da CoopBrasil Recicla, Laudicea Basílio, lembrou da luta dos catadores e catadoras pela sobrevivência econômica, da frente parlamentar mista da mulher catadora, e do apoio que encontrou da vereadora Priscila Cannedo. “A luta é árdua, 20 anos nessa militância e o mesmo tempo luta para conseguir um audiência nesse nível. Somar forças com a deputada do MST, com a secretaria de educação que é importante a partir da educação ambiental, com a OAB, que está incluindo propostas, a nossa categoria que muitas vezes temos vontade de falar, mas o medo toma conta porque nos sentimos ameaçados de abrir a boca”, frisou.
Laudicea recordou que muitos catadores morreram sem ver a realidade da contratação de serviços prestados pelo município. Ela agradeceu a OAB, por ter “um participante ciente e consciente da nossa jornada pela Conatec, que hoje é a federação que abraça todo o mecanismo dos catadores. O nosso movimento é representado pelo Tião Santos, recebendo vários nãos como nós. Percebi nesse anos todos, que o movimento tem que se fortalecer dentro dos municípios, para chegar ao Ministério de Meio Ambiente, para falar para Marina Silva que São Gonçalo, Maricá, Itaboraí existem e não tocam a coleta seletiva com os catadores em cooperativas organizadas em seus municípios”.
A presidente da CoopBrasil Recicla não afastou a existência de problemas, dificuldades ligadas a falta de licença, galpão para trabalhar, citou a existência de recursos através do fundo de meio ambiente, e questionou a ausência da execução dos projetos. “Por que não fazem, porque através da cooperativa tem que prestar contas ao Ministério Público, Defensoria Pública, ao Ministério do Meio Ambiente. Mas a lei 12.305, não pode ser atropelada pelos governos porque é federal. A Frente Parlamentar da Mulher Catadora está nesta luta, nós temos hoje 207 deputadas e deputados envolvidos plenamente na nossa discussão, a nossa militância vai começar por São Gonçalo e nós vamos avançando. Que esta equipe aqui seja exemplo de uma executiva para nós caminharmos para todo o Estado do Rio de Janeiro. O doutor Cláudio, da Defensoria Pública União, se colocou à disposição e vai estar somando junto com a gente, a Defensoria Pública do Estado, a OAB, o Gabinete da Priscilla. Nós não estamos aqui para apontar o erro que o governo está cometendo. Estamos reivindicando uma pauta que é nossa de direito, e queremos estar junto com o governo para pleitear os nossos benefícios”.
Laudicea lamentou a ausência na audiência pública do secretário de Conservação de São Gonçalo, Aécio Leal.
Pablo Alfradique centrou sua fala no processo histórico dos catadores e catadoras da cidade, do interesse do setor empresarial nos lucros gerados pelos resíduos sólidos. Ele também lembrou das dificuldades enfrentadas pelo setor ambiental ao citar o fechamento do lixão de Itaoca, da abertura do aterro sanitário do Anaiá, e da implantação da coleta seletiva.
Alfradique sugeriu a adoção de medidas que possam contribuir com a melhoria das condições de vida dos catadores e catadoras. Entre as sugestões está o que prefere chamar de economia solidária com auto-gestão da coleta seletiva e da reciclagem, auto-organização, e a distribuição igualitária dos lucros.
A professora Ângela Soledade marcou sua participação lembrando a educação ambiental que começa na escola e se estende para as empresas e residências. Falou dos projetos de coleta seletiva implantados nas escolas municipais.
A vereadora Priscilla Canedo informou que protocolou na Câmara de Vereadores o projeto de lei de implantação da coleta seletiva no município com a participação das cooperativas. Ela observou que a proposta é para que o governo municipal cumpra a lei 12.305 e suas atualizações.
Com informações de reportagem e edição de Wagner Sales