Por: Jorge Eduardo Magalhães
O meu primeiro contato com o grande Ricardo Torres Leal foi, ainda na adolescência, na escola técnica. Fazíamos o curso técnico de edificações. Embora eu não tivesse nenhuma inclinação para desenhos e nem cálculos, meu pai, tão sofrido e sonhador, sonhava que eu me formasse em Engenharia.
Desde que o vi pela primeira vez, fiquei impressionado com a sua figura, Ricardo era elegante, carismático, querido por todos, sendo bajulado tanto pelos alunos, quanto pelo corpo docente. Todas as meninas da escola caíam de amores por Ricardo; com certeza ele poderia ter a mulher que quisesse.
Tentei, sem sucesso, me aproximar de Ricardo e travar uma amizade, mas ele me ignorava, andava com uns quatro colegas que eram do mesmo nível social que o dele, sempre soberbos e arrogantes, eram os populares da escola. Ricardo era o melhor de todos, ofuscava os outros com a sua imponência, com seu brilho natural. É indescritível a admiração que sempre tive por ele.
Ao contrário de Ricardo, sempre fui uma pessoa apática e desprezível. Desde muito cedo, eu tinha o dom de fazer com que as pessoas me detestassem mesmo que não fizesse nada para que elas tivessem tal sentimento em relação a mim. Sempre fui assim: só a minha presença já fazia com que as pessoas se sentissem mal e o que ambiente ficasse pesado e desagradável. Já naquela época, era tratado por todos como uma pessoa asquerosa, as espinhas purulentas de meu rosto causavam náuseas nas meninas e as grossas caspas que tenho até hoje realçavam em meus sebentos cabelos pretos.
Tentava, a todo momento, me aproximar de Ricardo e de seu grupo. Contudo, ele era indiferente em relação a mim, diferente da sua turma, que me tratava com escárnio e desprezo, me pregando peças. Eu, submisso, fingia achar graça.
Certa vez, um deles me convidou para entrar para sua turma e eu fiquei feliz da vida, mas para isso eu teria que cumprir um ritual antes de ser aceito no grupo. Eu teria que sair de uma sala de aula para o banheiro somente de calcinha. Fiquei assustado, fui convencido de que todos cumpririam aquela tarefa. No dia combinado, na hora do intervalo, fui para a sala, vesti uma calcinha e saí pelo corredor para entrar no banheiro; acontece que eles trancaram a porta, e tentei voltar para a sala, que também estava trancada. O corredor ficou aglomerado de pessoas que riam e caçoavam de mim junto daquele grupo que eu queria entrar. Forcei um sorriso, como se estivesse achando graça, mas a vergonha e o constrangimento eram visíveis em meu rosto.
O vexame foi compensado quando Ricardo deu uma bronca em seu companheiro por ter pregado aquela peça em mim, e veio com um casaco me cobrir. Houve um aplauso em coro pelo gesto bondoso, entre comentários e suspiros em relação à sua atitude de generosidade. Fiquei todo feliz por ele me proteger.
No gabinete do diretor, levei uma chamada, mas Ricardo, sempre conciliador, disse que eu não precisaria me prestar a certas coisas para ser seu amigo. Entusiasmado, perguntei se ele seria meu amigo. Apenas fez que sim com a cabeça. Eu suspirava de euforia.
Não consegui evitar que os colegas da escola rissem e fizessem piadas em relação ao fato de eu ter saído de calcinha, mas eu não me importava, afinal de contas, era amigo de Ricardo Torres Leal.
Havia uma menina na nossa turma, chamada Bianca. Que menina linda! Era a única que me tratava bem e não me desprezava. Sempre com carinho, tinha muita paciência em conversar comigo, costumava me ajudar nos estudos, pois eu era péssimo em cálculos e desenho, ao contrário de Ricardo, que só tirava dez. Logo me vi completamente apaixonado por ela. Toda noite sonhava que a beijava, e ficava horas olhando para o teto, suspirando na cama; ensaiava uma declaração, mas, quando ficávamos frente a frente, na escola eu perdia a coragem.
Um baile dos alunos aconteceria em breve, e decidi que declararia a ela todo o meu amor em tal ocasião. No dia, me vesti com a minha melhor roupa e fui decidido a lhe contar tudo. Quando entrei no salão, todos pararam e foi um silêncio geral. Todos se cutucavam e cochichavam rindo, e aquele colega do grupo do Ricardo aproximou-se de mim com sarcasmo, perguntando o que eu estava fazendo ali. Humildemente respondi que estava prestigiando o baile da escola. Ele deu outro sorriso de desdém, e limpou as caspas que estavam em meu ombro e contrastavam com a camisa preta.
Não me importei com meu algoz, afinal só Bianca me importava. Procurei-a por todo o salão até avistá-la num canto aos beijos com Ricardo. Tive a mesma sensação de um soco em meu peito. Tive o impulso de sair correndo, de chorar, mas antes que tomasse qualquer atitude, ela me viu e fez um sinal para mim. Tentando disfarçar meu sofrimento, fui até eles e cumprimentei-os. Ricardo deu um sorriso e foi educado comigo e Bianca, entre suspiros, confidenciou-me estar apaixonada; eu disse que estava feliz por ela e me despedi. No caminho para casa pensei, refleti e cheguei à conclusão de que ela e Ricardo haviam sido feitos um para o outro, pois eram bonitos, carismáticos e formariam um casal perfeito.
Ao chegar à casa, dei com meu pai na sala com ar distante e tristonho. Perguntei pela minha mãe, e ele respondeu que ela ainda não havia chegado.
Meu pai vivia um drama pessoal, não se dava bem com minha mãe, que saía quase todas as noites e chegava de madrugada. Cansei de espiar pela janela minha mãe chegando na porta de casa cada vez em um carro diferente. No início meu pai brigava, discutia, mas com o tempo foi se conformando, e apenas ficava na sala esperando que ela chegasse.
Meu pai me adorava e tinha muitos projetos em relação a mim. A família e os vizinhos comentavam que eu não era seu filho, mas ele não dava ouvidos: amava-me cada vez mais, porém, a minha mãe me odiava porque tinha certeza absoluta de que eu era filho dele, e sempre comentava entre os dentes que eu havia puxado a sua repugnância.
Na escola as coisas seguiam em seu curso normal, todos me desprezando, com exceção de Bianca e Ricardo que, embora fossem distantes, tratavam-me com respeito. Adorava estar junto deles e todos os dias ia à cantina comprar um lanche para os dois. As pessoas comentavam que eu era o empregado, o moleque de recado do casalzinho do colégio, mas eu não me importava: tinha um imenso orgulho de tê-los como meus amigos.
Quando completou dezoito anos, o pai de Ricardo deu-lhe um carro do ano, e todos o invejavam quando chegava à porta da escola com seu automóvel imponente, enquanto eu ia e voltava de ônibus. De vez em quando, eu pegava uma carona com eles a convite de Bianca. Ricardo parecia contrariado, mas nunca negava. Sentia-me o máximo andando no banco traseiro do carro de Ricardo Torres Leal.
Acabei sendo reprovado e, consequentemente, perdendo minha bolsa e tendo que sair da escola técnica. Mesmo assim fiz questão de ir à formatura ver meus colegas comemorarem suas vitórias. Meu pai tentou me convencer a não ir, dizendo que não seria uma boa ideia enquanto minha mãe me incentivou, dizendo que eu era merecedor daquilo tudo. Peguei minha melhor roupa e fui à formatura.
Quando cheguei ao salão, todos, inclusive o corpo docente, me olhavam com aquele ar de “O que você está fazendo aqui?”. Respirei fundo e fui em frente, pois queria prestigiar a Bianca e o Ricardo, afinal eles eram meus amigos. Aquele mesmo colega que havia me pregado a peça da calcinha chegou a mim, ironicamente, perguntando se eu também estava me formando. Forcei um sorriso e disse que havia sido reprovado, mas estava lá para prestigiar os amigos. Como tentativa para me humilhar, disse que a festa estava precisando de garçom. Dei-lhe as costas e fui procurar o Ricardo e a Bianca. Eles estavam sendo tão assediados por todos que eu não consegui me aproximar deles em momento algum.
Os dois foram os oradores da solenidade, subiram no palco e falaram ao microfone. Nem prestei atenção ao que eles falavam. Fiquei estático, admirado com o brilho e a imponência do belo casal. Terminada a cerimônia, depois de calorosos aplausos para a dupla, um ex-colega se aproximou de mim e disse que Bianca estava lá fora querendo falar comigo. Quando saí do salão, jogaram em mim um balde de água suja, e meus antigos colegas estavam reunidos lá fora, rindo de mim. Ricardo e Bianca se aproximaram e brigaram com todos, dizendo que era maldade, que não podiam fazer aquilo com as pessoas e me levaram para casa em seu carro. O contentamento substituiu a humilhação que eu havia passado.
NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.
Acessem meu blog: http://jemagalhaes.blogspot.com
Gastei muito deste primeiro capítulo
Muito bom!
Excelente capítulo!
Humilhavam-no.
Acabei de ler. Agora quero acompanhar esse enredo.
Muito muito bom, fiquei preso ao texto em cada desenrolar da narrativa, que me causou uma grande curiosidade pelo que viria depois.
A leitura é muito leve. Estou ansioso pra ler o que está por vir.
Parabéns.