CONFISSÕES DE UM ADULADOR: Capítulo 02

Por: Jorge Eduardo Magalhães

Depois de sair da escola técnica, fiquei durante certo período sem manter contato com o Ricardo. Deixei o número de meu telefone com ele e com Bianca. Eu não tinha o número deles, pois ela dissera que ainda não tinha telefone e o Ricardo alegou que estavam trocando o número de seu aparelho e, logo assim que fosse efetuada a troca, me ligaria para me dar o seu novo número. Mas nenhum dos dois nunca me ligou.

Tive que terminar os meus estudos num colégio público perto de minha casa. Meu pai, sempre acreditando em mim, disse que o destino me encaminharia para um futuro de sucesso, enquanto minha mãe, às gargalhadas, dizia que agora eu estava em meu devido lugar. Não tive grandes emoções em minha nova escola: o ensino era fraco e os colegas, apáticos e desinteressados, não tinham outra pretensão a não ser de conseguirem o diploma de conclusão do segundo grau. Pelo menos não fui nenhum motivo de chacota por parte de meus novos colegas, aliás, todas as pessoas do meu convívio, com a exceção de meus pais, me ignoravam. Meu pai sempre me apoiou e minha mãe mantendo o desprezo que nutria por mim e pelo meu pai. A minha vida em família não mudou muito naquela época, pois minha mãe continuou chegando à casa de madrugada, sempre de carona num carro diferente, enquanto meu pai a esperava sentado no sofá até ela chegar, muitas vezes quando o dia já estava clareando.

Durante aquele período não conseguia esquecer os meus amigos. Por que Bianca e Ricardo não haviam entrado em contato comigo? Deviam estar muito ocupados, é compreensível. Tinha certeza de que, assim que eles pudessem, telefonariam para mim e seria um lindo reencontro entre grandes velhos amigos, amizade esta que não acabaria jamais.

Não aguentava de saudades deles, mas não sabia exatamente onde moravam, somente o bairro, por isso às vezes ficava horas caminhando por aquelas ruas do bairro nobre, na esperança de encontrá-los por acaso. Fazia isso, frequentemente, sem sucesso, até que um dia vi de longe os meus queridos amigos entrando no carro. Pareciam mais apaixonados do que nunca. Gritei o nome deles, mas acho que eles não escutaram, corri em direção deles, mas rapidamente, entraram no carro e arrancaram cantando pneu. Na ânsia de alcançá-los, tropecei e caí ralando o joelho e os cotovelos. Ainda cheguei a chamar por eles, mas o carro sumiu dobrando a rua. Foi uma pena não os ter alcançado: como ficariam felizes em me rever.

As coisas em minha casa estavam chegando a um nível crítico. Minha mãe estava extrapolando, pois passou a dar suas escapadas na nossa rua, havia perdido totalmente o resto de compostura que ainda lhe restava. Era a alegria do bairro, não escolhia idade, nem raça, nem profissão. Seus amantes eram donos de bar, policiais, desocupados, aposentados, garotos que jogavam bola na rua entre outros tipos. Meu pai era apontado na rua e motivo de chacota da vizinhança que, com uma absurda submissão, suportava tudo calado. Minha mãe chegou ao ponto de levar um de seus amantes para o seu quarto, trancar a porta e ficar dando altas gargalhadas debochadas. Eu e meu pai ficamos a noite toda abraçados na sala.  Uma vez, quando meu pai foi procurá-la num bar perto da nossa casa, pegou-a no flagrante dentro do banheiro masculino com um vizinho. Ela bateu a porta na sua cara e disse para que ele fosse para casa. Meu pai, sem nenhuma reação, obedeceu.

Mais tarde, quando vi meu pai chorando na sala, decidi que mataria minha mãe. Aproveitaria que ela dormia bêbada em sua cama, e cortaria a sua garganta com uma faca de cozinha. Apanhei discretamente a faca na gaveta e me dirigi com passos lentos até o seu quarto. Senti um misto de asco e ódio quando vi aquela mulher vulgar dormindo bêbada de boca aberta. Fui me aproximando lentamente, disposto a pôr fim na vida daquele ser desprezível. Cheguei a levantar a faca para enterrar de uma só vez com toda a força em seu bucho, mas parece que algo segurava minha mão me dizendo para não fazer aquilo. Pensei bem e cheguei à conclusão de que faria uma grande besteira: mesmo não prestando, ela era minha mãe, e todos ficariam contra mim, inclusive meu pai que, mesmo sendo traído e humilhado por ela, ainda a amava e alimentava a esperança de que um dia ela mudasse o seu comportamento. Doce ilusão.  Na verdade, o meu maior medo era decepcionar o Ricardo e a Bianca, meus grandes amigos e de quem jamais eu queria perder a amizade. Com certeza, eles me achariam um monstro se eu assassinasse a minha própria mãe.

Guardei a faca e me retirei do quarto. Quando passei da sala para a cozinha, meu pai dormia sentado no sofá.

Percebi que meu pai emagrecia a olhos vistos, parecia alheio a tudo e não ia atrás de minha mãe nos bares e outros lugares imundos que frequentava. Não conversava mais comigo e ficava horas e mais horas sentado no sofá virado para a televisão: pelo seu olhar estático, percebi que ele não prestava atenção ao programa, simplesmente olhava para o nada, para o infinito. Fiquei preocupado com ele, estava percebendo que algo de muito ruim estava para acontecer. Tentei em vão alertar minha mãe, convencê-la a dar um tempo em suas saídas, pois tinha medo de que meu pai fizesse alguma besteira, mas ela não quis me escutar e continuou se comportando de uma forma agressiva, me mandando calar a boca.

Chegou o final do ano e eu me formaria no ensino médio. A solenidade de formatura não foi cheia de pompas como a da escola técnica, muito pelo contrário, foi uma cerimônia simples e apática feita no pátio do colégio.  Meus pais não compareceram e, durante a cerimônia, fiquei olhando para os lados na esperança de que Ricardo e Bianca aparecessem. Eles não apareceram. Também, não tinham como adivinhar, tinha certeza de que se soubessem iriam à minha formatura. E, assim, fui o único dos formandos que não tinha nenhum amigo ou familiar na solenidade de formatura.

Aquele dia foi marcante para mim, aliás, foi um dos piores dias de minha vida, pois eu não estava enganado quanto às minhas intuições em relação ao estranho comportamento do meu pai. Ao chegar à casa, voltando da solenidade, vi meu pai caído no chão, ao lado de um copo vazio. Minha mãe, com sempre, bêbada no quarto, mas dava gargalhadas histéricas ao mesmo tempo em que saíam lágrimas de seus olhos arregalados. Não dei a mínima importância para aquela mulher, queria que ela morresse. Naquele momento, somente acudir o meu pai é o que me interessava. Fiquei desesperado, tentei acudi-lo, mas já era tarde demais. Foi constatado que ele havia ingerido uma alta dose de cianureto, que fora diluído num copo com água.

Aquele período foi muito difícil para mim, sofri muito, afinal de contas, eu tinha perdido a única pessoa que me apoiava e realmente gostava de mim, além de Ricardo e Bianca. –Por que em vez do meu pai não foi a minha mãe que morreu? – perguntava a todo instante a mim mesmo.

Nunca ficou esclarecido se ele havia cometido suicídio ou se ele havia sido envenenado por alguém, para dizer a verdade, a polícia nem se interessou em apurar. Embora não tenha como provar, tenho certeza de que ele foi envenenado e a assassina não foi ninguém menos que a minha própria mãe: meu pai não se mataria e me deixaria sozinho no mundo. Ele não tinha inimigos e a única pessoa que eu sei que o odiava era ela.

Só não entrei em desespero e nem me senti abandonado, porque sabia que não estava: ainda havia o Ricardo e a Bianca, e certamente muito em breve iria reencontrá-los.

NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.

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3 Comentários

  1. Avatar

    Triste experiência da personagem

  2. Avatar

    Triste trama!

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