CONFISSÕES DE UM ADULADOR: Capítulo 03

Por: Jorge Eduardo Magalhães

Aparentemente, nossos familiares não se importaram muito com a morte de meu pai, a prova disso foi que, exceto eu e alguns vizinhos, ninguém mais apareceu para prestar as últimas homenagens a ele. Nem minha mãe foi ao enterro: ficou trancada no quarto dando suas loucas gargalhadas.

Nossos familiares nutriam um enorme desprezo por mim e por meus pais. Em relação à minha mãe, se dava devido às suas atitudes vulgares e constrangedoras, e, ao meu pai, por causa de sua total submissão, sentiam um misto de pena e ódio pelo fato de ele aguentar tanta coisa calado sem tomar nenhuma atitude. A mim, simplesmente por ser filho dos dois.

Passei as festas de fim de ano sozinho em casa escutando a queima de fogos. Além de não ter nenhum amigo, não tinha entusiasmo para comemorações, afinal, a morte de meu pai ainda estava recente. Eu não parava de pensar em Ricardo e Bianca. Como eles deveriam estar? Como seriam as comemorações deles? Provavelmente deveriam estar numa cobertura luxuosa em frente à praia em contagem regressiva para verem a queima de fogos, e eu, naquele insuportável bairro de subúrbio, como e gostaria de estar com eles. Eu sabia que, se ainda mantivéssemos contato, certamente seria convidado para passar as festas com eles.

Minha mãe, nas duas datas, saiu e só voltou bem tarde, completamente bêbada, quando o dia já estava amanhecendo.

Naquele período, minha convivência com minha mãe ficou insuportável, meu pai não estava mais aqui para me defender, não tinha amigos…o colégio ainda distraía a minha cabeça, mas nem isso eu tinha mais para ocupar minha mente. Precisava de um rumo, de ajuda, mas não tinha ninguém. Havia perdido o contato com o Ricardo e a Bianca…como eu queria reencontrá-los! Tinha certeza de que eles me dariam força naquele momento tão difícil da minha vida.

Passaram uns dois ou três meses após aquela noite trágica, e me lembrei de um tio que sempre organizava um churrasco em seu aniversário, quando toda a família era convidada, menos, é claro, eu e meus pais. Quando eu era pequeno, nós ainda fomos convidados, mas toda vez minha mãe exagerava na bebida e começava a se insinuar para todos os homens da festa, envergonhando a mim e ao meu pai.  Lembro-me de que, na última vez que fomos convidados, minha mãe chegou ao extremo do vexame: fingiu que estava recebendo santo, deu suas loucas gargalhadas e ameaçou até tirar a roupa no meio da festa. Os meus primos e as outras crianças presentes riam de mim fazendo brincadeiras escabrosas a respeito de meus pais. Nós três éramos a vergonha e a chacota da família.

Mesmo não sendo convidado, resolvi ir à festa de meu tio. Eu precisava conversar com alguém, eles me ouviriam, não me tratariam mal, eu era parente, era sangue do sangue deles.

Cheguei quando à festa, já havia começado e todos os familiares chegado. Logo, ao chegar à porta da casa, parei e pensei em desistir. O que eu estava fazendo ali? Sabia que não era bem-vindo, nossos familiares não nos suportavam, queriam distância de nós, mas respirei fundo, contei até três e entrei. A festa estava cheia, todos os convidados conversavam alegremente e, somente pelo cheiro, dava para notar que o churrasco estava delicioso.

Logo quando entrei, percebi que todos os presentes se calaram e ficou um silêncio total. O ambiente ficou insuportavelmente constrangedor, pois todos se cutucavam e cochichavam olhando para mim; novamente respirei fundo e, com um sorriso no rosto, cumprimentei a todos que acenavam para mim com um sorriso amarelo.

Meu tio, o dono da casa e aniversariante, veio me cumprimentar, perguntou como eu estava me sentindo depois da perda de meu pai. Eu disse que estava me conformando e lhe dei os parabéns pelo seu aniversário. Depois agradeceu a minha presença e disse para que eu ficasse à vontade, mas os seus olhos, contrastando com suas palavras, perguntavam o que eu estava fazendo ali.

Depois que os donos da casa me fizeram as saudações, o restante da família veio me cumprimentar. Um dos meus primos se aproximou de mim, apertou minha mão com um olhar sarcástico e disse que eu não havia mudado nada, continuava a mesma coisa. Houve uma pausa no ar, depois completou dizendo que eu continuava feio, boboca e cheio de caspas. Foi uma gargalhada geral e, sem jeito, tentei levar na brincadeira. Uma outra prima perguntou como estava minha mãe e eu disse que ela estava bem, novamente as pessoas deram risinhos de escárnio. A seguir perguntou se ela continuava recebendo santo e dando em cima dos homens, foi uma gargalhada geral. As perguntas escabrosas não pararam por aí, teve cada uma que nem vale a pena comentar e, que tentando manter o sorriso, eu fingia levar na brincadeira. Meu tio, de uma forma hipócrita, pedia para que as pessoas parassem, tentava se mostrar incomodado, aborrecido com tudo aquilo, mas, no fundo, se divertia com a crueldade dos familiares em relação a mim.

Tentando fugir das brincadeiras, disse que estava com fome e que comeria um pouco. Um outro familiar perguntou se eu não estava enjoado de churrasco. Perguntei o porquê, não entendendo o comentário, e ele completou dizendo que já enchiam a minha mãe de carne. Novamente soaram as cruéis gargalhadas, que foi um pouco apaziguada com a interrupção de meu tio que, prendendo o riso, mandava as pessoas se calarem.

Tentando escapar daquela tortura, pedi licença e fui até a mesa me servir, estava com muita fome, e percebi que as pessoas me acompanhavam com o olhar entre risos e cochichos. O churrasco realmente tinha muitas variedades de carnes e estava muito bem servido, fora os complementos como farofa, salada de maionese, molho à campanha, entre outros.

Sentei-me num canto isolado para comer sossegado e percebi que as pessoas me observavam comer e pareciam ter asco de mim, senti-me um ser rastejante, repugnante, com uma doença altamente contagiosa. Uma de minhas tias olhou para os meus cabelos sebentos e torceu o nariz ao observar as grossas caspas que caíam no ombro da minha camisa.

Entre uma garfada e outra, pensava em Ricardo e Bianca, como eu sentia falta deles e sabia que eles também sentiam falta de mim. Com toda a certeza, eles eram os únicos amigos que eu tinha no mundo, não tinha mais ninguém além deles. Pensei também como eles deveriam estar sofrendo pela minha falta, afinal, a vida havia nos separado. Como o destino é cruel ao separar três grandes amigos!

Naquele momento senti um certo arrependimento de ter ido àquela festa, eu não tinha nada que ter ido lá, mas já que tinha ido e não podia mais voltar atrás, estava disposto a suportar a humilhação até o fim, pois na verdade eu era merecedor de passar por aquilo tudo. Suportei até o final da festa outras piadas e comentários e meus parentes cada vez mais cruéis.

Quando me despedi para ir embora, um familiar, com ironia, mandou um abraço para minha mãe. Fingi não entender e agradeci a lembrança.

No caminho para casa, fui me perguntando a razão de as pessoas me tratarem daquele jeito. Seria eu um ser tão desprezível assim, tão repugnante como as pessoas me olhavam e comentavam? Nunca havia feito mal a ninguém, procurava até ser amigo das pessoas, mas sempre era tratado com desprezo. Depois respirei fundo e lembrei que tinha meus amigos Ricardo e Bianca, e sentia que muito em breve iria reencontrá-los.

NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.

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4 Comentários

  1. Avatar

    Acontece mesmo, às vezes família é pior do que desconhececidos.

  2. Avatar

    Bem contada a estória

  3. Avatar

    Digno de piedade, esse personagem!

  4. Avatar

    Digno de pena, esse personagem!

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