Por: Jorge Eduardo Magalhães
Alguns meses depois desse desagradável fato narrado, minha época no quartel terminou e, ao contrário do tenente Torres, não teve nenhuma festa em minha homenagem. Ninguém ao menos veio me cumprimentar. Meus colegas, que também estavam saindo do exército, bebiam no bar em frente como uma forma de despedida. Quis me aproximar deles, tomar uma cerveja, confraternizar com este último momento que estaria com meus companheiros de caserna. Aproximei-me e perguntei se poderia sentar. Sarcasticamente, os colegas disseram: claro, mas não tem nenhum oficial aqui para você puxar o saco. Ri, tentando levar na brincadeira, e me sentei.
Durante a conversa, ia e vinha cerveja, e tentava explicar que tinha estudado com o tenente Torres e que, por isso, tínhamos ficado muito amigos, que, aliás, eu era o seu melhor amigo e de Bianca, sua noiva, mas eles pareciam não acreditar riam de mim e lembravam os momentos que eu ficava de quatro me sujando de lama para o tenente montar em seu cavalo, quando engraxava suas botas de montaria, que dava brilho em suas esporas, cuidava de seu cavalo e até lavava sua farda. Eu argumentava do orgulho que eu sentia ao fazer tudo aquilo para uma pessoa tão maravilhosa como o tenente Torres, Ricardo para mim, pois era seu amigo íntimo. Por último, lembraram-se da euforia com que aplaudi o tenente Torres em sua despedida e quando, no mesmo evento, derrubei bebida no vestido da noiva do tenente.
– Quase que o pai dele te matou esganado! – dizia um dos colegas, despertando as gargalhadas dos demais. Sem jeito, ri também para tentar mostrar que não estava me importando com a chacota.
– Ele é teu amigo? – dizia um outro – imagina se fosse teu inimigo, te colocava para trabalhar até nas festas da casa dele.
Respondi que era uma honra ajudar meu grande amigo nos seus bons e maus momentos.
Fomos conversando e, sem perceber os colegas foram saindo aos poucos, me deixando sozinho na mesa. Não tive jeito, tive que pagar toda a conta, que não saiu barato tendo em vista a quantidade de cerveja que havíamos consumido.
Um pouco tonto, fui para casa sem saber o que eu faria da minha vida dali em diante.
Uma semana depois, não podia acreditar no que via. Estava parado diante da minha porta meu amigo Ricardo. Não conseguia controlar minha emoção. Sabia que meu grande amigo nunca me abandonaria. Fiquei tão feliz que dei um forte abraço, assustando-o e que, sem jeito, tentou se desvencilhar de mim. Não me importei, sabia que ele tinha sido criado de um jeito bem formal.
Perguntei como estava sua família, como estava minha querida amiga Bianca e, de forma seca e educada, respondeu que todos estavam bem. Tentei me sentar, conversar sobre suas perspectivas, seu futuro casamento, mas Ricardo foi direto ao assunto, devia estar com pressa.
Na verdade, ele queria me fazer uma proposta. O bairro onde eu morava estava valorizando e, consequentemente, o preço dos imóveis e a especulação imobiliária estavam aumentando. A Torres Leal Construtora queria comprar a minha casa para fazer um condomínio de apartamentos. O preço era irrecusável, e eu ainda ganharia um apartamento para morar. Melhor seria impossível, pois a casa estava caindo aos pedaços e seria muito caro reformá-la e, mesmo demolindo, parte de um passado traumatizante, onde convivi com o sofrimento de meu pai e as bebedeiras de minha mãe, também se apagaria.
Ricardo me avisou que as obras começariam imediatamente. Era só o tempo de eu desocupar o imóvel, mas disse que a empresa fazia questão de me hospedar num lugar provisório enquanto as obras não terminassem e eu não ganhasse o meu apartamento. Fazia parte do contrato.
Ainda, para completar a sua imensa bondade, Ricardo me ofereceu um emprego na Torres Leal. Fiquei feliz da vida e não pensei duas vezes: imediatamente aceitei a sua proposta.
Não conseguia conter minha emoção, tive o impulso de abraçar meu grande amigo, de lhe agradecer pela oportunidade, de ele ter se lembrado de mim, mas não tive tempo, porque imediatamente, Ricardo se levantou, apertou a minha mão secamente dizendo que providenciaria imediatamente os documentos. Acompanhei-o até a porta e, antes que eu pudesse me despedir, mandar um abraço para Bianca e dizer que aparecesse um dia com mais calma para conversarmos, Ricardo entrou no carro, sem olhar para trás e arrancou. Nossa! Como meu amigo é apressado e sem tempo! – pensei, rindo entre os dentes.
No dia seguinte, um advogado foi à minha casa levando toda a papelada para eu assinar. Ele logo me orientou que eu tinha todo o tempo do mundo para ler os documentos, não precisava ter pressa que ele esperava, mas eu nem quis ler: fui logo assinando, afinal de contas, Ricardo era meu melhor amigo e, por isso, confiava nele até de olhos fechados.
Na semana seguinte, eu começaria a trabalhar na Torres Leal e fiquei me imaginando sendo nomeado o braço direito de Ricardo. O seu homem de confiança. Deitado à noite na minha cama, olhava para o teto, respirava fundo e imaginava como seria trabalhar naquela empresa, imaginava eu, repetidas vezes, como braço direito de Ricardo a quem ele pediria a opinião para tudo. Eu o protegeria dos falsos amigos que só queriam saber do seu dinheiro, e até me imaginava vestido elegantemente com um belo terno e gravata, com uma pasta de executivo sentado ao lado de Ricardo na mesa de reuniões. Quem sabe, quando ele assumisse a presidência da empresa, não me nomearia o vice-presidente, afinal, eu era o seu melhor amigo, a única pessoa, exceto Bianca e sua família, que ele poderia confiar.
Imaginava dia e noite o meu cargo de executivo na Torres Leal. Eu, saindo do trabalho num belo carro, me dirigindo ao apart-hotel bem em frente à praia, com serviço personalizado, que, com certeza, a empresa pagaria para eu ficar hospedado enquanto as obras não terminassem.
O meu antigo algoz sentiria uma enorme inveja de mim, e faria tudo para me derrubar, mas, certamente, o Ricardo falaria “Não o incomode, pois é o meu melhor amigo, a única pessoa em quem posso realmente confiar nesta empresa”. Finalmente chegaria a chance de me vingar.
Meu amigo sabia que eu era competente, afinal, nunca havia sido desonesto, e, mesmo não terminando, estudei um pouco de edificações, eu podia dar as minhas opiniões a respeito dos empreendimentos. Estava disposto a colaborar com o crescimento da empresa. Com certeza o Ricardo percebia isso e, por esse motivo, me convidou para trabalhar com ele.
Aquela semana foi a mais longa da minha vida. Parecia que cada dia tinha setenta e duas horas. Eu não via a hora de começar a trabalhar na Torres Leal ao lado do meu grande amigo. Certamente aquela seria uma nova fase da minha vida, dando fim a uma época de sofrimento e desprezo.
NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.
Acessem meu blog: http://jemagalhaes.blogspot.com
Já sei onde isto vai dar. Coitado
Já sei onde isso vai dar. Vai sair perdendo neste negócio.
Coitado… Boa narrativa!!