CONFISSÕES DE UM ADULADOR: Capítulo 07

Por: Jorge Eduardo Magalhães

O emprego não era “grandes coisas”. Eu ia ao banco pagar as contas, fazia serviço de cartório, levava lanche, servia café para o doutor Otávio. O salário também não era bom, mas para começar estava ótimo, tinha certeza de que, com o tempo, certamente, melhoraria. Eu conhecia muito bem o meu amigo Ricardo, estava querendo testar minha competência e, rapidamente, iria me promover, muito em breve eu estaria ao seu lado nas reuniões participando das decisões da empresa.

O doutor Otávio, sempre carrancudo, não me dava nem bom dia e só se dirigia a mim para me dar ordens ou gritar comigo quando estava irritado, sempre descontava todo o seu mau-humor em mim. Meus colegas riam de mim, e me chamavam de capacho do patrão. Eu não me importava com isso, afinal, já sabia que ele tinha o hábito de manter distância de seus funcionários, mesmo quando se tratava de amigos como eu. E quanto ao seu mau- humor, procurava relevar, porque sabia que ele tinha muitos problemas para resolver. Como é dura a vida de um executivo do nível do doutor Otávio. Sabia que não era por mal.

Meu antigo colega de colégio tinha um cargo de diretoria na empresa, e toda vez que ia à minha seção, aproveitava para me humilhar. Eu não me importava, a hora dele estava chegando. Brevemente o Ricardo e o doutor Otávio reconheceriam a minha fidelidade e me dariam o cargo que eu mereço.

Uma outra função que eu exercia era levar as compras da amante do doutor Otávio. Ela era uma mulher muito bonita de uns vinte e poucos anos, sustentada pelo patrão, e vivia num confortável apartamento também financiado por ele.

Ela não chegava a ser simpática comigo, mas sempre me tratava com bastante cordialidade, mesmo que de um jeito bem formal. Apesar de conversarmos estritamente o necessário, de uma forma distante, não deixei de sentir um certo carinho por ela.

O doutor Otávio não ia sempre ao seu apartamento, mas, quando queria uma noite de amor, ligava com antecedência e ela era obrigada a estar lá arrumada e cheirosa esperando por ele. Soube disso porque escutei quando ele comentou com um dos diretores da empresa.

Sentia pena daquela pobre moça, achava que ela merecia uma vida melhor. Pensava que, quando fosse promovido, poderia tirá-la daquela vida e lhe oferecer um emprego, mas imediatamente mudava de ideia: eu não poderia trair o pai do meu melhor amigo. Se eu estava empregado, tinha que agradecer a ele.

As obras no terreno da minha antiga casa começaram. Ela foi demolida, e eu tive que sair de lá.

Ao contrário do que eu imaginava, a empresa me pagou um quarto de hospedagem no centro da cidade de última categoria. Não tinha ventilador e cheirava a mofo. Confesso que na hora fiquei decepcionado, mas, logo compreendi, afinal, a empresa não passava por um bom momento e eles estavam numa fase de contenção de despesas, o país estava atravessando uma séria crise. O meu quarto só tinha uma cama e um guarda-roupa velho. O banheiro era coletivo e ficava no corredor.

Mas eu nem podia reclamar, a empresa pagava minha hospedagem, todas as minhas refeições e minha passagem para o trabalho de ida e volta. Eu não gastava um tostão do meu bolso. A vantagem também era que a hospedagem ficava no centro da cidade, bem próxima do trabalho. Quantas pessoas que moravam na periferia e trabalhavam no centro e pegavam três ou quatro conduções para chegar ao trabalho… Sentia-me um verdadeiro privilegiado. O único problema eram os vizinhos, era obrigado a conviver com vagabundos, biscateiros, travestis, mas isso era o de menos, não podemos ter preconceitos. Pelo menos a empresa havia me hospedado num quarto só para mim, o que era mais caro, tinham quartos coletivos onde duas ou três pessoas dormiam. Sempre sumiam os pertences de alguém e o pior de tudo era que a gerência da hospedagem não se responsabilizava.

O meu ex-colega de colégio, ao contrário de mim, morava num luxuoso apart-hotel personalizado bem em frente à praia, pago pela Torres Leal, e toda vez que me encontrava nos corredores da empresa não perdia a oportunidade de me humilhar, perguntando como eu estava me sentindo vivendo num hotel cinco estrelas. Eu ria sarcasticamente, fingia levar na brincadeira e ficava imaginando como seria quando chegasse a hora dele.

O Ricardo sempre que passava por mim na empresa me cumprimentava com cordialidade, mas nunca parava para conversar, devia estar muito ocupado. Uma vez ele passou apressadamente por mim no corredor da empresa, falou comigo e eu dei meia parada, fiz uma enorme festa estendendo a mão para cumprimentá-lo. Ele estava tão desatento que passou direto me deixando parado de mão estendida. Os colegas se cutucaram dando risinhos e cochichos. Não dei a mínima para eles, na verdade tinham inveja de minha grande amizade com Ricardo Torres Leal. Pobre Ricardo, estava com a cabeça tão cheia que até se esqueceu de apertar minha mão.

Bianca estava mais encantadora do que nunca, cada dia mais linda. As raras vezes em que aparecia na empresa, fazia questão de me cumprimentar e perguntar como eu estava. Mas não ficávamos conversando por muito tempo, pois logo Ricardo ou seu sogro surgiam olhando-a com ar de reprovação, e me davam alguma tarefa. Eu não ficava chateado, compreendia a atitude deles, pois mesmo eu sendo amigo íntimo da família, era um funcionário da empresa e a esposa do futuro herdeiro da Torres Leal não poderia ficar conversando comigo, porque isso poderia ser um mau exemplo para os outros funcionários.

Ao meio-dia em ponto, o doutor Otávio saía para almoçar com os seus diretores. Eu sempre ia atrás mantendo uma certa distância deles.

Eles entravam num luxuoso restaurante em frente à empresa, enquanto eu comia numa pensão da esquina. Todos os dias eu saía para almoçar no mesmo horário que eles porque sabia que mais cedo ou mais tarde o doutor Otávio me convidaria para almoçar com ele. A comida da pensão era horrível, quase sempre serviam arroz, feijão, macarrão e uma carne sem gosto. Pacientemente eu esperava o dia em que almoçaria com a diretoria da empresa.

Um dia, de uma forma bem seca, como era de costume, o doutor Otávio me convidou para acompanhá-los até o restaurante na hora do almoço, eu mal podia acreditar, nunca mais teria de comer aquela comida insossa da pensão da esquina. Provavelmente, me daria um cargo de diretoria. Chegada a tão esperada hora do almoço, saíram o doutor Otávio, o Ricardo, o meu ex-colega e outros membros da diretoria. Como de costume, eles foram andando na frente, e eu um pouco distante. Tentei apertar o passo para me unir ao grupo, mas o doutor Otávio me olhou com ar de reprovação. Quando entramos no restaurante, logo fui pegar meu lugar na mesa, todos se entreolharam e o doutor Otávio mandou que eu comesse na cozinha. Meu ex-colega me olhava com satisfação. Senti-me constrangido com aquela situação, mas o doutor Otávio sabia o que fazia.

Comi na cozinha junto com os empregados do restaurante e percebi que me tratavam como se fosse subalterno deles: tentei argumentar dizendo que era funcionário da Torres Leal e que não tinha que cumprir ordem de ninguém do restaurante. Imediatamente o gerente foi falar com o proprietário. Pude observar de uma fresta ele se aproximando da mesa do doutor Otávio e lhe cochichar algo. Ele parou de comer, olhou na direção da cozinha e falou alguma coisa. Com um ar de contentamento, o gerente veio me dizer que o doutor Otávio estava me chamando. Aquela seria a hora, com certeza ele deveria me parabenizar pela minha atitude, achei que naquele momento anunciaria a minha promoção e que aquilo tudo era apenas uma forma de testar minhas atitudes e espírito de liderança. Aproximei-me dele com o peito estufado e um sorriso na boca. Muito irritado, o doutor Otávio falou em alto e bom som que eu me colocasse no meu lugar e que, da próxima vez que eu lhe trouxesse problemas, me colocaria no olho da rua. Tentei argumentar, mas, aos berros, ele mandou que eu calasse a minha boca. Senti uma enorme vergonha, pois todos no restaurante olhavam em minha direção. Meu ex-colega balançava a cabeça com um sorriso cínico no canto da boca.

Fiquei muito feliz pela atitude do meu grande amigo Ricardo, que me defendia pedindo ao seu pai que se acalmasse.

Por último, mandou que eu voltasse para a cozinha e seguisse todas as ordens do gerente. O doutor Otávio havia me chamado ao restaurante para carregar sozinho uma enorme encomenda que havia feito para um coquetel que ofereceria a uns investidores japoneses que estavam a caminho da empresa.

Abaixei a cabeça e obedeci à ordem, sendo humilhado pelo gerente do restaurante e os demais funcionários.

O doutor Otávio não havia feito por mal, devia estar muito tenso por causa do coquetel para os japoneses.

NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.

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3 Comentários

  1. Avatar

    É.o adulador, se ferra e não vê que se ferra

  2. Avatar

    Que coisa ! Esse .merece sofrer, não vê a realidade!

  3. Avatar

    Essa saiu repetida

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