CONFISSÕES DE UM ADULADOR: Capítulo 09

Por: Jorge Eduardo Magalhães

A vida seguia: eu continuava trabalhando na Torres Leal ouvindo os gritos constantes do doutor Otávio, o desdém do meu ex-colega e os cochichos dos demais funcionários da empresa, mas não me importava, tinha o pressentimento que meu dia estava chegando.

Um dia fui entregar umas encomendas no apartamento da amante do doutor Otávio e ela estava chorando. Fiquei penalizado em vê-la naquele estado, sentada em um canto da parede com um copo de uísque na mão e o rímel borrado por causa das lágrimas. Procurava manter distância da amante do patrão, mas naquele dia não resisti, aproximei-me dela acariciei os seus cabelos e perguntei o que estava acontecendo. Ela olhou-me com desprezo, jogou o copo longe que se espatifou na parede e me chamou de idiota. Procurei não levar a mal sua agressividade, sabia que estava completamente fora de si. Fiquei parado olhando para ela que levantou seus olhos e me pediu desculpas. Sentei-me ao seu lado e disse para ela se acalmar. Não parava de soluçar, levantei-me, fui até a cozinha e trouxe um copo d’água para ela. O choro foi cessando, bebeu lentamente e me agradeceu.

Levantei-me, guardei o copo na cozinha, peguei uma vassoura e limpei os cacos de vidro do copo que ela tinha jogado na parede. Levantei-a com as duas mãos e amparei-a até o sofá sentei-me ao seu lado. Perguntei-lhe o que tinha acontecido e ela me contou que o doutor Otávio a havia humilhado pelo telefone. A amante do doutor Otávio ficou calada durante algum tempo, e contou que ele queria que ela fizesse coisas nojentas na cama que ela se recusava a fazer. Não tive coragem de perguntar que coisas nojentas eram aquelas, mas confesso que senti enorme curiosidade. Ela me confessou que seu amante ligou para avisar que eu levaria umas encomendas, e disse que à noite a visitaria, e que queria que ela fizesse tais coisas repugnantes. Ela disse que não, que sentia nojo, que não conseguiria e, aos gritos, xingou-a, disse que ela era uma miserável, que se tinha algum conforto era graças a ele e, se não fizesse o que ele queria, voltaria para o pulgueiro de onde ele a havia tirado. Novamente teve um choro convulsivo. Tive vontade de chorar, começava a sentir ódio daquele velho imundo. Tinha vontade matá-lo. Logo me arrependi de tal pensamento, não podia pensar daquele jeito, mesmo sendo um canalha, o doutor Otávio era pai do Ricardo e sogro da Bianca, meus dois melhores amigos. Mas não podia ficar parado, tinha que tirar aquela menina daquela situação.

Perguntei-lhe por que nunca havia tentado mudar de vida, conseguir um emprego, ter uma carreira. Ela falou que não tinha estudo e nenhuma qualificação profissional, e que era praticamente uma prisioneira do doutor Otávio. Fiquei assustado. Prisioneira? Como assim? Ela não podia ir embora? A amante do doutor Otávio, com o olhar distante, contou toda a sua vida. Teve uma infância muito pobre num casebre miserável onde vivia com a mãe e o padrasto, que bebia muito e batia na mãe. Ainda me confessou que seu padrasto abusava dela sexualmente com a conivência da mãe, que arrumava a cama e tudo para que as bolinações acontecessem. Os abusos começaram quando tinha apenas nove anos de idade e duraram até os dezessete, quando foi à Torres Leal fazer entregas para uma pensão onde trabalhava e servia refeições aos funcionários da construtora. Aquele dia foi o final de uma prisão e início de outra: o doutor Otávio a viu passando, ficou impressionado com sua beleza e mandou que a chamassem até a sua sala. Ela ficou maravilhada com a beleza e imponência da sala do doutor Otávio. Contou-me que ele, de forma terna, pegou em sua mão e disse que a ajudaria naquilo que ela quisesse. Perguntou o porquê de tanto interesse em ajudá-la e ele disse apenas que havia simpatizado muito com ela. Primeiro deu um cheque ao portador com tantos zeros que ela nunca tinha visto em sua vida. No mesmo dia, sacou o cheque e gastou uma parte com roupas e outra com comida. Quando a mãe e o padrasto viram tanta comida nem questionaram a procedência do dinheiro. Descrevia com asco como eles comiam feitos dois animais. Daquele dia em diante, o doutor Otávio sempre a presenteava com roupas novas e a levava para jantar em restaurantes caros. Estava fascinada com aquela nova vida, com aquele novo mundo que “seu anjo da guarda” lhe apresentava. Um dia ele a levou até aquele apartamento onde morava, e disse que não queria mais que ela voltasse àquele casebre onde morava. Apesar de tudo, amava sua mãe e não queria deixá-la desamparada e, assim, o doutor Otávio se comprometeu a dar uma ajuda mensal família. Eu mesmo fui umas duas ou três vezes levar as compras e algum dinheiro naquele lugar deplorável, pensei, mas não quis comentar sobre o aspecto desgrenhado de sua mãe e de seu padrasto sujo e bêbado.

Inicialmente, se sentiu tão feliz sabendo que moraria naquele lugar tão limpo, tão amplo e bem decorado, que nem se importou quando aquele velho asqueroso a levou para o quarto que tinha uma cama de casal redonda. Ali foi logo tirando a sua roupa e beijou toda a extensão de seu corpo. Enquanto o doutor Otávio gemia de prazer feito um suíno, ela olhava para o teto e só pensava em sua nova vida naquele lugar luxuoso.

A partir daquele dia, tornou-se amante do doutor Otávio que ia regularmente fazer sua visita. Não precisou voltar em casa para pegar nada, pois ele havia comprado tudo novo: roupas, perfumes utensílios domésticos. Tinha tudo do bom e do melhor dentro daquele apartamento, mas não podia sair nunca, pois se colocasse a cara na rua, voltava para a vida miserável de antes com a roupa do corpo. Tudo vinha ao seu apartamento, tinha uma cabeleireira, uma massagista, até uma professora de ginástica. Acho que o único homem fora o doutor Otávio que ia até sua casa era eu, provavelmente porque ele sabia que eu era o melhor amigo de seu filho e de sua nora e confiava muito em mim.

No início ficou empolgada com a vida nova, mas com o tempo começou a sentir tédio e solidão. Havia épocas que o doutor Otávio quase não aparecia, viajava a negócios ou com a esposa, mas outras em que aparecia com frequência e a tratava como um objeto de prazer. Tinha vontade de fugir, de sumir, mas pensava na sua vida, tinha pavor de ter que voltar ao seu passado miserável e, por isso, se submetia a todos os caprichos sexuais do amante, era humilhante, repugnante e, para piorar, o doutor Otávio andava querendo fazer coisas tão bizarras e nojentas que ela tinha até vergonha de falar, andava fugindo, relutando, mas naquele dia ele telefonou ameaçando colocá-la para fora com a roupa do corpo. Por isso entrou em desespero, pensou até em dar fim a sua vida. Segurei suas mãos e pedi que esquecesse essa ideia, que tudo daria jeito. Aconselhei que tentasse mudar de vida. Desanimada, disse que seria muito difícil, porque não sabia fazer nada, não tinha estudo. Estava ao mesmo tempo encantado e penalizado com aquela mulher tão jovem e tão bonita ser obrigada a se submeter aos caprichos sexuais de um homem bem mais velho como o doutor Otávio.

Comecei a me sentir responsável por ela e a ter obrigação de fazer com que mudasse de vida, precisava tirá-la das garras do doutor Otávio, embora me sentisse mal com a situação, pois era amigo do filho dele. Mas era por uma causa maior. Aquela menina era praticamente uma prisioneira, prisioneira do luxo e do conforto, com medo da traumática miséria em que vivera durante quase toda sua vida. Confessou-me que, nos três anos em que era amante do doutor Otávio, durante esse tempo nunca mais tinha colocado os pés fora daquele apartamento, era uma luxuosa prisão domiciliar.

Comecei a sentir algo diferente, meu coração começou a palpitar e minha respiração a ficar ofegante. Não sentia isso desde a época do colégio quando vi Bianca pela primeira vez.

Abracei-a e disse que agora ela tinha um amigo e sempre que pudesse iria visitá-la e ajudá-la a sair daquela vida. Ela segurou com força minhas mãos. Promete, perguntou. Disse que sim, só ainda não sabia como. Percebi que ela olhava meus ombros cheios de caspas, mas pareceu não sentir asco como os outros. Aquela foi a única pessoa, além de meu pai, que não me tratou com desprezo. Ou melhor, já estava sendo injusto, Bianca e Ricardo também.

Despedi-me e prometi voltar. Fui embora com o coração mais leve. Tinha algo nela que lembrava Bianca, talvez os olhos.

NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.

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2 Comentários

  1. Avatar

    Expectativas

  2. Avatar

    Será um romance no ar?

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