CONFISSÕES DE UM ADULADOR: Capítulo 10

Por: Jorge Eduardo Magalhães

Durante a noite, deitado na minha cama do meu imundo e abafado quarto, lembrava-me de tudo que havia acontecido naquele dia. Não parava de pensar na amante do doutor Otávio, seu pranto, sua pele, seus olhos que lembravam os de Bianca.

De repente veio à minha cabeça algo que eu ainda não tinha atentado: eu nunca havia me deitado com uma mulher. Nem ao menos beijado, as mulheres fugiam de mim, até as mulheres pagas fingiam que não me viam nas poucas vezes que eu tinha ido a algum centro de lazer. Nunca tinha me tocado disso. O contato mais próximo que tinha tido com alguma mulher foi nos meus prazeres solitários olhando revistas pornográficas.

Lembrei-me de uma vez que fui a uma dessas casas e, apesar de não ter o hábito de beber, pedi uma cerveja. Logo veio se sentar em minha mesa uma loura tatuada que pediu para me fazer companhia. Perguntou se podia beber comigo. Disse que sim pedindo mais um copo. Começamos a conversar, ela me acariciava, sentava-se no meu colo, fiquei muito excitado. Ela pediu para pegar mais cerveja e eu peguei mais uma e mais outra. Como disse, não estava acostumado a beber e ficava cada vez mais tonto. Já via duas louras tatuadas, a música barulhenta ficava mais distante, não escutava mais o que ela dizia. Terminei adormecendo sobre a mesa.

Quando dei por mim, não tinha mais ninguém na casa além do faxineiro com trejeitos femininos e a cafetina que veio com uma conta absurda para eu pagar. Perguntei pela loura e a cafetina respondeu que todos tinham ido embora, e que o estabelecimento estava fechando. Eu ficara tão bêbado que me deixaram ali dormindo, mas eu tinha que pagar a conta e ir embora. Não me lembrava de ter bebido toda aquela cerveja. Na conta também tinha mais de um tipo de petiscos e não me lembrava de ter comido nada, tentei questionar, mas apareceu do nada um segurança de quase dois metros de altura dizendo para eu pagar. Naquela noite foi quase todo o meu salário.

Quantas injustiças sofri. Passei grande parte de minha vida me dedicando a Bianca e aos Torres Leal para ser tratado feito um capacho. Não, novamente estava sendo injusto. Bianca e Ricardo sempre me trataram com amizade e consideração. O doutor Otávio que gostava de pisar nas pessoas e deveria pagar por isso. Mas não poderia fazer nada contra ele, senão meu grande amigo sofreria.

Não faria nada contra o doutor Otávio, só ajudaria a sua amante a sair daquela vida. Mudaria a minha vida e a dela. Será que ela gostava de mim? Claro que sim. Já que a Bianca se casou com meu amigo e não comigo, me casaria com aquela jovem com os olhos parecidos com os de Bianca e a chamaria junto de Ricardo para serem padrinhos do meu casamento.

Pretendia trabalhar com a mais árdua dedicação na empresa, mostrar meu valor para meu amigo e desmascarar aquele meu ex-colega de colégio. Imaginava a cena: o Ricardo entrando na sala do pai junto comigo, o doutor Otávio olhando para mim e para o filho dizendo que estava muito ocupado. Ricardo se aproxima do pai e diz que é urgente, diz que eu havia descoberto a falcatrua do meu ex-colega na empresa, um rombo de milhões. O doutor Otávio reluta em acreditar, mas eu apresento provas. O doutor Otávio examina os documentos, pega o telefone e pede para chamar o meu ex-colega em sua sala. Menos de cinco minutos depois ele entra. Olha para todos nós, o clima está tenso. O doutor Otávio se aproxima dele e mostra as provas. Ele tenta, em vão, se explicar, mas o doutor Otávio não quer ouvir, ameaça chamar a polícia, o meu ex-colega entra e prantos e, desesperado, pede pelo amor de Deus, para que o perdoem. Ricardo, com sua infinita bondade, pede para que seu pai não chame a polícia, apenas manda-o embora. O meu ex-colega se compromete a restituir o dinheiro desviado da empresa e sai da sala de cabeça baixa, humilhado sob os olhares de todos os funcionários da empresa.

Ricardo fala ao seu pai que só foi descoberta a falcatrua graças a minha perspicácia e inteligência. O doutor Otávio se aproxima de mim, abraça-me como um filho e pede desculpas pela forma com que vinha me tratando durante todo aquele tempo. Eu respondo que não tem problema, que tenho ele como um pai. Com os olhos marejados, o doutor Otávio diz que eu posso pedir o que eu quiser: dinheiro, um cargo na empresa… Ricardo interrompe o pai dizendo que o cargo que era de meu ex-colega agora será meu, pois eu não precisava nem pedir, eu era a pessoa certa para substituí-lo, pois era honesto e competente. O doutor Otávio dá um sorriso e diz ao filho que ele tem razão e insiste para que eu faça outro pedido. Olho fixamente para ele e peço para que me deixe casar com sua amante, ele me olha, dá um sorriso e diz que, claro, que deixa, pois também havia sido injusto com aquela jovem, se aproveitado de sua condição financeira para praticamente aprisioná-la naquele apartamento. “Sejam felizes”, diz emocionado. Para tentar se redimir de todos os seus erros e injustiças, o doutor Otávio faz questão de financiar a cerimônia de casamento e nossa lua de mel em um luxuoso cruzeiro. Nem sei como agradecer àquele bondoso homem, novamente dou-lhe um abraço.

A cerimônia é pomposa, a igreja enfeitada com ilustres convidados. Minha noiva entra na igreja, toca a marcha nupcial. Trocamos olhares apaixonados. Seu vestido é deslumbrante. No altar como padrinhos estão Ricardo, Bianca, doutor Otávio e sua esposa. Todos estão muito emocionados.

A recepção tem um bufê de altíssimo nível, impecável. A festa tem convidados importantes, artistas, políticos, empresários, intelectuais.

A festa é interrompida pelo doutor Otávio, que quer fazer um discurso. Diz emocionado que sofreu uma decepção devido a uma grande traição, mas que em compensação, ganhou mais um filho. Anuncia meu nome como o mais novo sócio da Torres Leal. Todos aplaudem emocionados, outros sentem inveja. É normal.

Depois eu e minha esposa dançamos uma valsa no meio do salão, todos os convidados, com seus respectivos pares, fazem o mesmo.

A nossa intenção é morar no meu apartamento no prédio do terreno onde era minha antiga casa, mas o doutor Otávio nos chama no canto e diz que vai nos dar mais um presente, um apartamento duplex em um bairro nobre. Não quero aceitar, mas ele insiste, diz que ficará chateado se eu recusar. Não tem jeito, sou obrigado a aceitar.

A sós, no canto com minha esposa, pego em suas mãos, olho em seus olhos que lembram os de Bianca e digo que a amo muito com toda a força do meu coração. Ela, com os olhos cheios de lágrimas, diz que eu fui o maior presente em sua vida. Trocamos um beijo apaixonado, que é aplaudido por todos os convidados.

Quando a festa está quase acabando, Ricardo e Bianca nos chamam em particular e anunciam que Bianca está grávida e querem que eu e minha esposa sejamos os padrinhos da criança. A impressão que tenho é que vou estourar de tanta felicidade, nem sei o que dizer.

Saímos do salão rumo ao nosso novo apartamento. Pela manhã partirremos para a viagem de lua de mel. Ao entrarmos no carro vejo, os seguranças do salão empurrando um homem malvestido. Aproximo-me para ver o que está acontecendo, é o meu ex-colega querendo entrar na festa alegando ser meu amigo. Peço aos seguranças pararem com a violência e mando servirem um pratinho de comida para ele, pois deve estar com fome. Submisso e de cabeça baixa me agradece. Estou vingado. Ricardo me olha com admiração elogiando o tamanho de minha bondade. Minha esposa me abraça dizendo que por isso que me ama cada vez mais.

Entramos no carro, que na traseira traz latas que serão arrastadas, como manda a tradição.

Finalmente chegamos à porta do apartamento. Pego-a no colo para entrar. “Enfim, sós”, digo. Trocamos um beijo apaixonado e vamos direto para o quarto. Aquele terá sido o dia mais feliz de toda a minha vida. O apartamento é um luxo. Duplex com uma decoração espetacular.

Desperto do meu devaneio com uma goteira que pinga do teto de meu quarto em meu rosto.

 

NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.

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One comment

  1. Avatar

    Estória muito boa. Gênio criativo.

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