Ao caminhar pelas ruas de uma grande cidade, é comum nos depararmos com pessoas de diferentes histórias, culturas e, claro, condições sociais. No entanto, uma pergunta inquietante persiste em minha mente: Será que o negro ainda se encontra descalço no século XXI? Essa reflexão me leva a explorar as raízes de um passado que ainda se vê nas realidades contemporâneas.
Durante o Brasil colonial, os escravizados andavam descalços não apenas por falta de recursos, mas como um símbolo de sua condição de servidão. Os sapatos eram vistos como um sinal de respeito e dignidade, algo reservado aos senhores e à elite branca. Andar descalço, portanto, era uma forma de evidenciar uma hierarquia social que se perpetuava.
Com a alforria, a primeira preocupação de muitos negros libertos era adquirir um par de sapatos. Para eles, esses calçados não eram meramente uma proteção para os pés, mas uma afirmação de identidade, uma reivindicação de sua nova condição. Mesmo que muitos não tivessem a oportunidade de usá-los, os sapatos eram guardados com carinho, colocados em lugar de destaque, como um símbolo de conquista e liberdade.
No entanto, será que essa simbologia se dissipou com o passar do tempo? No século XXI, o racismo ainda institui os sapatos como “marcadores de civilidade”. O que isso significa? Que, muitas vezes, a aparência e a vestimenta se tornam filtros através dos quais somos julgados, e a condição social de um indivíduo pode ser lida a partir do que ele calça. O preconceito ainda se manifesta na forma como as pessoas negras são vistas em seu cotidiano, muitas vezes despojadas de dignidade e respeito, independentemente de suas conquistas pessoais.
Enquanto caminhamos por ruas pavimentadas, é impossível não notar que, em muitas favelas e comunidades, a realidade é de desigualdade. A falta de acesso a recursos, educação e oportunidades de emprego faz com que muitos ainda andem descalços, seja física ou simbolicamente. A luta por igualdade e inclusão continua, e o peso da história ainda é sentido nas novas gerações.
Os sapatos, que um dia simbolizavam liberdade, agora precisam ser reimaginados na luta contra o racismo estrutural. Eles devem ser vistos como um símbolo de oportunidade, de ascensão e de dignidade para todos. No entanto, para que isso aconteça, é necessário que a sociedade como um todo reconheça e enfrente as disparidades que ainda persistem.
Portanto, ao refletir sobre a condição do negro no século XXI, possamos nos lembrar de que a luta por igualdade não é apenas uma questão de calçados, mas de respeito, dignidade e reconhecimento. A cada passo dado, seja acompanhado pela consciência de que todos têm o direito de caminhar com os pés calçados, não apenas fisicamente, mas também em termos de oportunidades e direitos.
Descalços ou calçados, o que realmente importa é que cada indivíduo seja visto e tratado com a dignidade que merece, independentemente de sua cor ou origem. Possamos, juntos, calçar a responsabilidade de construir uma sociedade mais justa, onde todos possam caminhar com firmeza e respeito.
Denilson Costa