São Paulo (SP) – O destino dos ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, que confessaram participação no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, começará a ser definido nesta quarta-feira (29/10) por um grupo de sete cidadãos comuns. Os réus, acusados de homicídio triplamente qualificado, serão submetidos ao Tribunal do Júri do Rio de Janeiro.
“No Brasil, os crimes contra a vida são julgados por leigos e não por técnicos. No entendimento do legislador, a possibilidade de qualquer indivíduo, em circunstâncias específicas, cometer um homicídio, exige uma análise aprofundada das motivações, emoções e circunstâncias que culminaram no crime. Diante da variedade de tipos de homicídio e da singularidade de cada caso, entendeu-se que o julgamento por um grupo de pessoas comuns, o Júri, seria a forma mais justa de avaliar a conduta do réu. Afinal, quem melhor para julgar um crime que causa grande impacto social do que a própria sociedade, representada por seus pares?”, explica a jurista Jacqueline Valles, criminalista com mais de 30 anos de experiência em júris.
Crime que chocou o Brasil
O julgamento dos ex-PMs acontece cinco anos e oito meses após o crime que chocou o Brasil e causou grande comoção. Lessa, apontado como o autor dos disparos, acompanha o julgamento por videoconferência da Penitenciária de Tremembé (SP), enquanto Queiroz, acusado de dirigir o carro usado no crime, participará a partir do Centro de Inclusão e Reabilitação em Brasília. Em delação premiada, Lessa confessou a autoria dos disparos e apontou os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, além do ex-delegado Rivaldo Barbosa, como mandantes do crime. Os três negam as acusações.
Jacqueline explica que o julgamento é dividido em duas fases. A primeira é uma espécie de filtro, onde o juiz analisa se está diante de um crime contra a vida e se há provas mínimas para levar o caso a júri popular. Nesta etapa, participam o juiz, promotor, advogados, réus e testemunhas. “São vários dias, como se fosse um processo normal. Se tiver indícios de autoria e prova da materialidade, o juiz vai pronunciar para o Tribunal do Júri julgar”, detalha.
Na segunda fase é composto o Júri. A formação se inicia com uma sessão plenária aberta ao público, onde o juiz adverte os jurados sorteados (15 no total) sobre a importância da imparcialidade, isenção de preconceitos e inexistência de vínculos com as partes envolvidas. Em seguida, ocorre o sorteio aleatório de 7 jurados, formando o Conselho de Sentença. Durante o sorteio, acusação e defesa podem recusar até 3 jurados cada, sem necessidade de justificativa. Após as recusas, o Conselho de Sentença, composto pelos 7 jurados restantes, é formalmente constituído para o julgamento. “Com a composição, é feita a apresentação das provas, as testemunhas são ouvidas e os réus, interrogados. Lessa e Queiroz terão o direito de permanecer em silencio”, conta a jurista.
Após a fase de instrução, a acusação e a defesa apresentam seus argumentos em debates para tentar persuadir os jurados com base em provas, depoimentos e na legislação. A lei garante tempo igual para ambas as partes. “Após os debates, os jurados se dirigem a uma sala secreta acompanhados pela defesa, promotoria e oficiais de justiça. Lá, respondem a quesitos pré-determinados por lei, como a materialidade do crime e a autoria, através de votação secreta com cédulas de “sim” ou “não”. Dois oficiais recolhem as cédulas para garantir o sigilo, e o juiz abre apenas o número necessário para determinar a maioria, sem revelar como votou, individualmente, cada jurado. Após a decisão sobre a autoria, os jurados respondem ao voto de clemência, um quesito independente de explicações teóricas”, ensina Jacqueline.
Sentença
Com base nas respostas do júri, o juiz profere a sentença. Se condenados, a pena será definida pelo juiz, considerando a gravidade do crime e as circunstâncias atenuantes ou agravantes. “Diferentemente do que acontece nos Estados Unidos, por exemplo, a decisão dos jurados no Brasil não precisa ser unânime para absolver ou condenar alguém. É preciso apenas a maioria dos votos. Apesar de a decisão do júri ser soberana, não são os jurados que definem as penas. Essa dosimetria cabe ao juiz, que a fará utilizando critérios técnicos”, completa Jacqueline.