Segundo os procurdores, manter a denominação “Brigada 31 de Março”, em reverência ao Golpe Militar, é incompatível com a Constituição e com o projeto Constituinte de um Estado Democrático de Direito. Foto: Sindicato dos Bancários SP.

MPF ajuíza ação para modificar nome de brigada militar

Belo Horizonte (MG) – O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública para que a União seja condenada a modificar o nome da 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha, localizada em Juiz de Fora (MG), hoje denominada como “Brigada 31 de Março”. O nome é uma referência à data em que as tropas daquele local foram mobilizadas e deflagraram o golpe militar no ano de 1964.

Os principais pedidos do MPF são os de revogação dos atos que disponham sobre a homenagem, bem como supressão de referida denominação de sítios eletrônicos e documentos oficiais, com a consequente remoção, das dependências do Exército, do monumento onde está inscrita a data, no prazo de até 30 dias.

Atuação da brigada

A ação também pede que a União seja condenada a suprimir a expressão “Revolução democrática”, ou expressões equivalentes que enalteçam o golpe militar, de sítios eletrônicos e/ou qualquer documento oficial, para se referir ao histórico de atuação da brigada, no que diz respeito aos atos que levaram ao golpe militar de 1964, no prazo de 30 dias.

O caso foi apurado pelo MPF em inquérito civil instaurado após a publicação de notícias no jornal Folha de São Paulo, no dia 23 de março, informando que no interior da antiga sede da 4ª Região Militar há um letreiro em homenagem ao 31 de março, local e data da mobilização das tropas do general Olympio Mourão Filho que deram início ao golpe militar no Brasil.

Foi apurado que no próprio site eletrônico da brigada consta a autodenominação “Brigada 31 de março”. Segundo a ação, a placa no local é ostensiva e facilmente perceptível, inclusive em imagens obtidas em sites de busca. O site e uma revista eletrônica publicada pela própria brigada apresentam uma justificativa para o nome usado, na qual afirmam que a unidade “…desempenhou um papel decisivo e corajoso na eclosão da Revolução Democrática, que motivou o recebimento da denominação histórica de ‘Brigada 31 de março’. A denominação foi estabelecida pela Portaria Ministerial nº 1642, de 07 de novembro de 1974.

No último dia 31 de março, o Comando do Exército divulgou um comunicado em que externou o seu intuito de manter a reverência a 31 de março de 1964, evitando rotular o evento como golpe militar. O Exército disse no comunicado que “os acontecimentos de 31 de março de 1964 representam um fato histórico enquadrado em uma conjuntura de 60 anos atrás”.

O MPF afirma que o que realmente ocorreu no dia 31 de março de 1964 foi que, a partir de Juiz de Fora, as tropas do Exército precipitaram um golpe de Estado que, em afronta à Constituição de 1946, tomou o poder pela força, pondo fim ao Estado de Direito vigente.

O MPF assevera ainda ser fato notório que “o regime de exceção instaurado, de forma sistemática e como política de Estado, assassinou, ocultou cadáveres, torturou, estuprou, sequestrou, silenciou, censurou, perseguiu, prendeu de forma arbitrária, massacrou povos indígenas, suprimiu direitos políticos e outros direitos fundamentais, fechou o Congresso Nacional, cassou parlamentares, manietou o Poder Judiciário, aposentou compulsoriamente ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e se manteve, assim, por mais de duas décadas no poder.”

Autores da ação

Para os procuradores da República Francisco de Assis Floriano e Calderano e Thiago Cunha de Almeida, autores da ação, é evidente que não se tratou de uma “revolução democrática”. Segundo eles, manter a denominação “Brigada 31 de Março”, em reverência ao Golpe Militar, é incompatível com a Constituição e com o projeto Constituinte de um Estado Democrático de Direito.

A sociedade brasileira tem o direito de conhecer a verdade e de construir a sua memória. Isto inclui, por óbvio, o esclarecimento sobre o caráter inconstitucional e criminoso do golpe de Estado ocorrido em 1964. “O apagamento da violência é repetição da violência”, justificam os procuradores na ação.

A ação afirma, ainda, que a manutenção da denominação, com a motivação apresentada pelo Exército, é uma “repugnante e cínica homenagem a um regime assassino, que tripudia da memória das vítimas da ditadura, viola o direito à verdade e confronta a posição oficial do Estado brasileiro sobre o tema. O golpe militar que instituiu a ditadura não pode ser motivo de orgulho em um regime democrático. Da ditadura, só temos ‘ódio e nojo’, conforme a célebre síntese de Ulysses Guimarães quando da promulgação da Constituição em 5 de outubro de 1988”.

A ação também sustenta que um ato normativo do próprio Ministério da Defesa, expedido pelo Comandante do Exército, que regula o procedimento para denominação de locais e instalações sob sua administração desautoriza a designação de “Brigada 31 de Março” conferida para a 4ª Brigada em Juiz de Fora.

A norma determina que se utilize nomes de vultos incontestes da História do Brasil, personagens consagrados regional ou nacionalmente, cuja avaliação esteja isenta de quaisquer influências de ordem passional e, finalmente, proíbe a aprovação de nomes de personalidades vivas e/ou ações (feitos), locais, datas e tradições controvertidos.

“A denominação, a divulgação de sua justificativa, e o monumento erguido são, portanto, contrários à ordem jurídica e, por isso, devem ser combatidos e os danos imateriais por eles causados devem ser reparados”, sustentam os procuradores.

O MPF também cita as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e as recomendações da Comissão nacional da Verdade (CNV), destinadas à prevenção e à garantia de não repetição dessas atrocidades. Entre as recomendações da CNV está justamente a proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964. Já a CDIH em suas sentenças sempre enfatiza adoção de medidas destinadas a prevenir a repetição das violações no futuro.

“A memória é um processo de (re)escrita contínua. A narrativa do Exército serve, portanto, a um propósito definido: o de construir uma memória coletiva que não apenas o exima de responsabilidades pelos crimes que cometeu como endosse aquelas atrocidades, criando uma cultura antidemocrática entre militares e civis, uma consciência coletiva habituada ao autoritarismo, que permita às Forças Armadas manterem-se como força política dentro do território nacional”, diz a ação.

Intervenção militar

A ação também ressalta que, sessenta anos após o golpe de 1964, vivemos em uma época em que parcela da população sai às ruas clamando por intervenção militar, uma época em que centenas de pessoas, articuladas com setores da sociedade, públicos e privados, se sentiram encorajadas a praticarem atos golpistas no dia 8 de janeiro de 2023; uma época em que o Supremo Tribunal Federal se vê obrigado a afirmar, no julgamento de uma ação direta, que o art. 142 da Constituição não autoriza a intervenção militar, que as Forças Armadas não constituem um Poder Moderador.

Para os procuradores, não faltariam exemplos para constatar que a herança da ditadura não apenas sobrevive, como também é transmitida às novas gerações, deixando profundas marcas na vida do país. Mais do que nunca, é necessária a adoção de medidas que, para além de remoção do ilícito, promovam a memória e previnam, assim, a repetição das violações ao regime democrático.

Na ação, o MPF também pede que, em até 180 dias, seja criado, por atuação conjunta dos Ministérios da Defesa, da Educação, de Direitos Humanos e Cidadania e da Igualdade Racial, curso a ser ministrado, periodicamente, a todos militares da 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha localizada em Juiz de Fora, que aborde o caráter ilícito do golpe militar de 1964 e as conclusões da Comissão Nacional da Verdade sobre as violações de direitos humanos ocorrida durante a ditadura militar.

“A denominação conferida à 4ª Brigada, e a justificativa apresentada para tanto, desinforma e relativiza os crimes da ditadura, propiciando, com isso, a sua repetição”. Para o MPF, a manutenção de uma homenagem ao golpe de 1964 no interior de uma área militar contribui para a formação de gerações de agentes públicos doutrinados por valores antidemocráticos. Eles, portanto, devem ser o primeiro alvo de uma ação reparatória, com a realização de cursos que abordem o caráter ilícito do Golpe Militar de 1964 e as conclusões da Comissão Nacional da Verdade sobre as violações de direitos humanos ocorrida durante a ditadura.

Também é pedido que, no mesmo prazo, seja criado um espaço de memória, para que as gerações futuras possam conhecer e compreender a gravidade dos fatos, mediante a colocação de placa indicativa, no muro externo da 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha ou em local em seu exterior com igual publicidade, informando que, no dia 31 de março de 1964, tropas militares partiram de Juiz de Fora, deflagrando um golpe de Estado que interrompeu a democracia no Brasil.

 

Com informações de assessoria / MPF

Wagner Sales – Editor de conteúdo

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