Por: Jorge Eduardo Magalhães
Embora sentisse uma enorme dor no coração, precisava tocar a minha vida. Escrevi em todos os grupos no celular de minha esposa, como se fosse ela, dizendo que se ausentaria do Rio de Janeiro, por um tempo, por recomendações médicas, dizendo que sua gravidez era de risco.
Antes de sair do apartamento, olhei para a estante dos seus livros, a coleção de obras de Franz Kafka, o autor que ela mais gostava. Não sei por que senti uma arrepio ao olhar para O processo, Metamorfose, entre outros, inclusive O Castelo, que ela morreu relendo. Talvez porque me remetesse às sua lembrança. Juntei tudo e joguei no lixo.
Sabia a senha de todos os seus cartões, por isso, saquei dinheiro de suas contas para poder me manter. Não me sentiria bem em viver no mesmo apartamento onde havia cometido aquele ato terrível; por isso, também para não levantar suspeita, fechei o apartamento e me hospedei em um hotel barato.
O dinheiro das contas de minha vítima dava para me manter em um bom hotel, mas não tive coragem de gastar as finanças de minha finada esposa com luxos, e nem queria que ninguém me acusasse de tê-la matado por dinheiro; por isso, fui viver em um quarto barato e fétido.
Durante uma semana ou um pouco mais, não saía do quarto, não conseguia me levantar da cama. Acho que tive febre. A todo momento, esperava que a polícia metesse o pé na porta e me desse voz de prisão, ou que meu telefone tocasse com alguém perguntando por minha esposa.
A todo instante, eu olhava notícias na internet pelo celular para verificar se tinha alguma notícia sobre seu desaparecimento. Tinha crises de ansiedade, taquicardia, suava frio, pensei em acabar com aquela angústia, entregar-me à polícia, confessar o terrível crime que havia cometido. Por duas ou três vezes, tive o ímpeto de ir à delegacia e cheguei até a me arrumar, mas na hora desisti.
Certa vez, de madrugada, acordei sobressaltado com um barulho de sirene na porta do hotel, meu coração bateu forte, cheguei à janela e vi a viatura policial, estacionada em frente, mas, imediatamente, constatei que era uma briga no bar que funcionava na parte de baixo do hotel.
Surpreendentemente, parecia que ninguém mais se lembrava da minha esposa. Ela não tinha irmãos e seus pais já eram falecidos, não tinha amigos e sua relação com outras pessoas era simplesmente profissional; estes devem até ter ficado felizes com o seu desaparecimento, devido à tamanha arrogância. Nem o suposto amante apareceu para procurá-la.
Aliás, comecei a me perguntar se realmente existia esse seu amante, o pai de seu filho. Seria eu o pai de seu filho? Não seria doloroso demais ter assassinado minha própria semente. Ela mentiu para mim, não estava grávida. Preferia acreditar nisso para aliviar minha dor.
Precisava colocar meus projetos em prática. Era a hora de superar a dor e o remorso e recomeçar.
NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.
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Excelente narrativa ! Onde vai chegar essa história?
Cada vez melhor, Jorge!