O DOCE SABOR DA MIQUELINA: CAPÍTULO 10 – O namorado de Margarida

Por: Jorge Eduardo Magalhães

Após o episódio do escândalo na porta de sua casa e a morte do seu pai, cujo velório foi um verdadeiro vexame por causa de Dona Evarista, Margarida parecia ter tomado jeito. Começou a se vestir de forma mais discreta, passar mais tempo em casa e parecia disposta a retomar os estudos.

Margarida começou a pedir ajuda de Ana Flor em reforços de matemática e língua portuguesa, e Ana Flor começou a ter esperança de mudanças na sua rotina familiar. Pelo menos, a irmã caçula parecia estar tomando jeito. Olhando-a, dava a impressão de ser outra pessoa.

Sua mãe parecia estar ainda mais fora de si, sempre alheia a tudo, assistindo aos programas Adilson Show todos os sábados, e falando sobre a família da irmã. Os animais, principalmente os gatos, multiplicavam-se rapidamente, chegando a ter que tomar cuidado para não pisar em nenhum deles ao andar pela sala e até pela cozinha. O único cômodo da casa que não tinha animais era o quarto de Ana Flor.

De repente, Margarida mudou da água para o vinho. Começou a se vestir de forma bem discreta e até com roupas compridas. Começou a frequentar a Assembleia de Cristo, de Marechal Hermes.

– Por que não frequenta a Assembleia de Cristo daqui da Piedade mesmo? – perguntou Ana Flor.

– Porque foi lá na congregação de Marechal Hermes que eu fui acolhida.

Na verdade, o motivo da mudança repentina de Margarida era outro. Estava de namoro com Davi, o filho do pastor. Davi era um rapaz sério, que estava terminando o Ensino Médio e queria cursar Teologia. Ajudava seu pai nos cultos, e incentivava Margarida a se regenerar, retomar seus estudos e viver uma nova vida.

De fato, Margarida parecia ter mudado. Estava se preparando para retornar à escola, lia a Bíblia todos os dias e até recitava muitas passagens de cor. Apesar do radicalismo, Ana Flor se sentia mais aliviada pela mudança da irmã. Melhor do que a vulgaridade de antes, pensava.

– Precisamos dar um jeito na mamãe. – disse Margarida à irmã, parecendo recuperar a sua lucidez.

– Pois é. Ela está cada vez pior.

O seu namoro com o filho do pastor e seu ingresso na Assembleia de Cristo pareciam se intensificar ainda mais. Davi, apesar de saber que Margarida não era mais virgem, dizia querer se preservar, só ter sexo após o casamento e mantê-la como se fosse casta até se casarem. Aparentemente, Margarida parecia aceitar essa imposição.

Com toda razão, Margarida tinha vergonha de levar Davi à sua casa para conhecer a família, mas Ana Flor foi emblemática:

– Uma hora ele vai ter que conhecer tua família.

– Mas olha o estado desta casa, olha o comportamento da mamãe.

– Se ele realmente gosta de você, vai ter que aceitar.

– Você acha mesmo?

– Tenho certeza.

– Não sei se tenho coragem.

– É só conversar com ele antes, explicar o problema da nossa mãe.

Duas semanas depois, Margarida levou o Davi em sua casa. Ao contrário do que se esperava, Dona Evarista se comportou normalmente e até conversou sobre diversos assuntos com o namorado da filha.

– Peço desculpas por a casa estar desse jeito.

– Não tem problema, senhora.

– Sabe, apeguei-me a esses animais, mas agora estou pensando em doá-los, pois passamos por crises de situações financeiras.

– Claro. Eu entendo.

Davi era um rapaz muito educado. Percebia-se que havia tido uma boa criação.

– Estou disposto a ajudá-las. Posso?

– Não precisa, querido! – disse Margarida.

– Mas eu faço questão.

– Deixa ele ajudar, Margarida! – disse Dona Evarista, enfaticamente.

Na semana seguinte, foi um grupo da igreja à casa de Dona Evarista e realizaram um verdadeiro mutirão de limpeza. Cortaram o mato do quintal, jogaram fora todas as quinquilharias e levaram os cães e gatos para um a instituição. Ana Flor se sentia aliviada com aquilo tudo.

– Eu amo o Davi! – dizia a Margarida, suspirando apaixonada, agora que parecia ser outra pessoa.

– O amor transforma as pessoas… – retrucava Ana Flor.

Dona Evarista perdeu aquele olhar enlouquecido. Ficou uns dois sábados sem assistir ou gravar o Adilson Show, chegou até a perder alguns quilos, e voltou a ser a servente dedicada de outros tempos. Até a direção, o corpo docente e o pessoal de apoio perceberam a mudança.

Aparentemente, as coisas pareciam entrar nos eixos, mas sabendo que a casa estava limpa e arrumada, logo no primeiro mês, Tia Evilásia apareceu em sua casa com Carlinhos, aos prantos. Ana Flor já percebeu uma pequena mudança no comportamento de sua mãe.

– Preciso muito de sua ajuda, minha irmã! – dizia Tia Evilásia em prantos.

– O que foi que aconteceu? – perguntava Dona Evarista já mostrando fortes sinais de transtorno em seu olhar.

– O Carlinhos precisa ficar aqui escondido, durante alguns dias.

– Mas por quê?

– Os traficantes lá da Penha estão ameaçando-o…

Ana Flor, escutando a conversa do quarto, não aguentou e entrou na sala, intrometendo-se na conversa:

– Está sendo ameaçado por quê? Alguma coisa ele aprontou.

– Ele não fez nada. Os traficantes que implicam com o menino! Só porque ele é quieto.

– Claro que ele pode ficar – disse Dona Evarista, começando a ficar fora de si.

– Mas, mamãe! Ele está jurado pelos traficantes. O Carlinhos aqui vai colocar nossas vidas em risco!

– Como você é egoísta! – retrucou Dona Evarista, já descontrolada.

– Não é questão de egoísmo…

Dona Evarista interrompeu:

– Ele é sangue do meu sangue!

Ainda naquele mês, a partir da presença de Carlinhos, Dona Evarista começou a engordar ainda mais e voltou a catar cães e gatos na rua. Em pouco tempo, a casa ficou mais imunda do que antes, novamente sendo relapsa no trabalho e Margarida voltou a se vulgarizar.

Ana Flor também percebeu que, depois que Carlinhos fora morar com elas, muitas coisas começaram a sumir de casa, inclusive uma pulseirinha de ouro que seu pai lhe dera de presente, quando completara doze anos. Ao tentar falar sobre esses sumiços para a mãe, Dona Evarista sempre fazia escândalo;

– Isso é mentira tua. Você sempre quis prejudicar o menino!

 

Ainda bem que o pouco dinheiro que guardava, até para depois que se formasse, a auxiliaria em um aluguel ou até em uma entrada no financiamento de um apartamento bem longe de sua família. A prefeitura, constantemente, abria financiamento de imóveis para servidores. Tinha fé de que conseguiria.

Rapidamente, Margarida voltou a ter o mesmo linguajar de antes e a vestir suas antigas indumentárias vulgares e a frequentar bailes funks. Davi, apaixonado, ainda tentou conversar com a namorada sobre o retorno de seus hábitos anteriores, mas ela o tratou com desdém. Vendo que a namorada retomara os antigos hábitos, Davi acabou terminando o namoro e se afastando de Margarida para sempre.

Ana Flor também tentou conversar com a irmã sobre seu comportamento, mas ela foi agressiva:

– Não enche o saco!

Começou a acompanhar o Carlinhos para festas e bailes em locais perigosíssimos. Ana Flor tentou conversar com a mãe sobre a má influência que Carlinhos estava exercendo sobre Margarida, que ela corria risco, mas, novamente, Dona Evarista foi agressiva com a filha mais velha:

– Você é mesmo uma frustrada! Por isso, que ninguém te quer.

Em um passe de mágica, tudo voltava a ser como antes, ou melhor, tudo começava a ficar ainda pior.

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3 Comentários

  1. Avatar

    Uma praga que se não for arrancada pela raiz continua a nascer e destruir …

  2. Avatar

    Tem gente que é tão tóxica que contamina qualquer ambiente! Ainda resta a fé! 👏👏👏

  3. Avatar
    ALVIMAR DO NASCIMENTO

    Faço votos que passem o cerol no carlinhos, já tem gente ruim demais, e que vá junto a Margarida.

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