Por: Jorge Eduardo Magalhães
O único refúgio de Ana Flor era a faculdade onde era destaque no curso que escolhera. Todos acreditavam que, em breve, seria uma professora universitária, PhD, em Educação. Tanto a escola em que trabalhava, lugar em que sempre recebia uma espetada da diretora e das colegas de trabalho, quanto sua casa eram verdadeiros infernos.
Foi em um final de tarde, no intervalo de uma aula para outra, que Ana Flor conheceu José Roberto na praça de alimentação da universidade, quando fazia um lanche. Chovia bastante e a praça de alimentação estava lotada. Um rapaz, relativamente jovem e bem apessoado pediu pare se sentar à sua mesa.
De repente, começaram a conversar e logo parecia que já se conheciam há bastante tempo. A afinidade foi instantânea:
– Moro em Botafogo, trabalho com investimentos e estou aqui complementando a matéria de Estatística para concluir meu curso de Administração de Empresas.
– Quais os dias que você costuma vir aqui?
– Somente às quintas-feiras. Concluo o curso no final deste semestre.
– É muita dedicação tua, vir de tão longe.
– Tenho uma empresa e ser formado dá maior respeitabilidade.
– Mas eu nunca te vi por aqui.
– Na verdade, fiquei um ano parado. A empresa me consumiu bastante. Estava devendo esta, mas fiquei adiando. Finalmente, vou concluir o meu curso superior. E você? O que estuda?
– Estou no segundo período de Pedagogia.
– Não sei se você sabe, mas, as empresas estão precisando de pedagogos para fazer dinâmica com os colaboradores.
– Sim, tenho essa matéria, de Pedagogia Empresarial.
– Quem sabe um dia você não trabalha em minha empresa?
– Apesar dos pesares, gosto de ser professora.
– E daí? Uma coisa não atrapalha a outra.
– Tem razão. – sorriu.
Passaram a tarde inteira conversando, que nem perceberam o tempo passar e a chuva cessar. A aparente afinidade entre os dois era visível. Parecia que já se conheciam há bastante tempo. Ainda naquele dia, trocaram um imenso beijo. Apesar de não ser mais adolescente, aquele era o primeiro beijo na vida de Ana Flor.
– Semana que vem nos vemos – disse José Roberto.
– Na próxima quinta?
– Sim. Mal posso esperar.
– Como você vai embora?
– Vou pegar meu carro que está estacionado na outra rua.
– Quer que eu vá contigo?
– Não precisa. Está chovendo muito.
– Não é melhor esperar a chuva cessar?
– Não, tenho muitas pendências para resolver para a minha empresa.
– Você tem telefone?
– Ainda não. Estou esperando instalarem. E você?
– Também não.
– Como vamos fazer para nos vermos?
– A gente se encontra aqui na próxima quinta-feira.
– Combinado.
Beijaram-se novamente, se despediram e José Roberto desapareceu no meio da forte chuva. Ana Flor suspirou e ficou parada durante algum tempo. Foi amor à primeira vista. Já estava completamente apaixonada.
Foi para casa pensando naquele belo rapaz. No trabalho, não conseguia se concentrar e todos perceberam que estava distante. Uma colega maliciosa chegou a comentar:
– Está ficando igualzinha à mãe dela.
Contava os dias para chegar a próxima quinta-feira e reencontrar José Roberto, aquele rapaz tão belo e educado que conquistou seu coração.
Na semana seguinte, esperava-o ansiosamente, no mesmo local, ao final das aulas. José Roberto não aparecera. Ao contrário da semana anterior, o tempo estava ótimo. Já estava quase indo embora quando José Roberto apareceu esbaforido.
– Pensei que não viesse mais.
– Desculpe, querida!
– Não tem problema.
– O professor me prendeu até agora na aula.
– Mas está tudo bem?
– Melhor agora ao te ver.
Trocaram um beijo e fizeram um lanche.
– Gostaria que conhecesse meu apartamento.
José Roberto ainda falou um pouco sobre seus projetos e negócios. Ana Flor ficou aliviada pelo fato de ele não perguntar detalhes sobre sua família e sua casa, apenas perguntou onde ela morava, e ela respondeu rapidamente que vivia e trabalhava ali mesmo, nas imediações.
– Ainda bem que ele nem mencionou que queria conhecer a minha família – pensou.
Naquela mesma semana, Ana Flor foi conhecer o apartamento de José Roberto, em Botafogo. Era um quarto e sala, mas bem aconchegante.
– Adorei! – disse Ana Flor.
– Quando vivermos juntos, será preciso comprar outro maior.
– Para mim está ótimo.
– Mas quero espaço para nossos filhos.
Trocaram um beijo apaixonado. Durante o beijo, Ana Flor ficou imaginando como seria o rosto de seu filho com José Roberto. Foi sua primeira vez com um homem. José Roberto foi muito delicado. Aquele era um momento lindo em sua vida, pois o amado teve todo o carinho e paciência em seu primeiro ato sexual.
Durante aquele período em que conviveu com José Roberto, tinha a sensação de que, finalmente, sua vida mudaria, que seria feliz, ao lado de uma pessoa ideal, de sua alma gêmea. Tinham os mesmos gostos e logo começaram a compartilhar seus sonhos em comum.
Parecia que tudo estava dando certo. Os traficantes que perseguiam Carlinhos foram mortos e, finalmente, o primo pôde voltar para casa, na Penha. Sua mãe continuava transtornada, e a irmã cada vez mais vulgar; mas a saída de Carlinhos de sua casa já era um alívio.
Com um pouco mais de dois meses de namoro, já pensavam em viver juntos; José Roberto estava finalizando a matéria que faltava, e ela prosseguiria no seu curso de Pedagogia, mesmo vivendo com José Roberto. Tinha convicção de que seriam muito felizes.
Uma coisa que tinham em comum é que não entravam em detalhes sobre suas respectivas famílias. Ana Flor se limitava em dizer que era professora da Rede Municipal e morava ali mesmo, perto da Universidade, com a mãe e a irmã mais nova, e José Roberto apenas falava que não tinha pai e sua mãe morava no interior de São Paulo. Ficava aliviada por José Roberto não perguntar detalhes sobre sua família.
Começaram a se encontrar somente fora da Universidade.
– Você não tem mais assistido às aulas? – quis saber Ana Flor.
– Agora será só finalizar alguns trabalhos – respondeu José Roberto.
Aquele era um homem perfeito. Seu apartamento muito bem arrumado e limpo, cozinhava muito bem, era bonito e sabia tocar todo o seu corpo, dando-lhe um imenso prazer. Estava muito feliz. Sonhava com sua vida, ao lado de seu grande amor, e imaginava como seriam seus filhos.
José Roberto tinha um espírito empreendedor e isso era um dos seus requisitos que mais encantava Ana Flor. Foi após uma deliciosa tarde de amor, em seu apartamento, em Botafogo, que José Roberto demonstrou interesse em expandir seus negócios e queria que Ana Flor o ajudasse.
– O que você tem em mente?
– Estou pensando em abrir uma empresa de manutenção escolar.
– Como assim?
– Fornecer materiais e merenda para as escolas. O que acha?
– Uma ótima ideia, amor.
– Só tem um problema.
– Diz.
– Não tenho capital suficiente.
– Tenho umas economias para pagar a faculdade e comprar os meus livros.
– Mas o dinheiro é teu. Não posso aceitar.
– Faço questão.
– Já disse que não.
– Para de bobagem. Em breve, seremos marido e mulher e nosso dinheiro será único.
Novamente se beijaram e tornaram a fazer um amor ardente.
– Mas eu estou com a minha conta bloqueada. Tive uns problemas com a empresa.
– Não tem problema. Saco todo o dinheiro e te entrego amanhã.
No dia seguinte, conforme o combinado, Ana Flor sacou todo o dinheiro de suas economias, entregando na mão de José Roberto.
– Nossa empresa será um sucesso! – disse José Roberto, com firmeza.
– Tenho certeza disso, amor.
– Agora preciso resolver algumas pendências da empresa.
– Quando nos veremos novamente.
– Amanhã preciso entregar um trabalho para o professor lá na Universidade. A gente se encontra lá na praça de alimentação.
– Está bem.
Despediram-se com um beijo, e Ana Flor foi para casa feliz da vida, visualizando um futuro promissor ao lado de José Roberto.
Na manhã seguinte, na escola, quase não conseguiu dar aula, de tão feliz que estava. Contava os minutos para encontrar José Roberto na praça de alimentação, na Universidade. Nunca esteve tão paciente e tolerante com as crianças, como nos últimos tempos.
Saindo da escolas, nem passou em casa, foi correndo para a Universidade. Não conseguiu se concentrar na aula de Didática e, assim que o professor dispensou a turma, correu para a praça de alimentação. José Roberto ainda não havia chegado. Devia estar no trânsito.
Passou meia hora, uma hora e nada. Anoiteceu. Ana Flor começou a ficar preocupada. José Roberto não tinha telefone. Desistiu de esperá-lo e foi para casa, preocupada. Não conseguiu dormir naquela noite, pensando que poderia ter acontecido o pior com seu amado.
Logo ao amanhecer, foi até o seu apartamento. O porteiro informou que ali não vivia nenhum José Roberto. O proprietário estava fora do Brasil e o apartamento fechado há quase um ano. Ainda quis insistir, descrevendo fisicamente José Roberto, mas o porteiro não o conhecia.
Não conseguia entender o que havia acontecido. Na manhã seguinte, nem fora à escola, dirigiu-se direto à secretaria da Universidade, onde trabalhava uma conhecida. A funcionária checou e não constava nenhum José Roberto no curso de Administração de Empresas.
Começava a se dar conta no que havia acontecido: havia caído em um golpe. Saiu da Universidade zonza, como se o chão fugisse de seus pés. Sua vida voltara a perder o sentido, a ser o mesmo vazio de antes. Pulou da felicidade para total desgraça. Sentia-se completamente perdida. Não sabia o que fazer. Parou na passarela e começou a chorar. Os transeuntes apenas olhavam para trás. Teve o impulso de se jogar lá de cima, na linha do trem, mas se conteve.
Estava disposta a dar um fim em sua vida, tão sem sentido. Não sabia como. Precisava de coragem. Ao entrar no portão de sua casa, o mau cheiro parecia ainda mais intenso e a quantidade de lixo, cachorros e gatos duplicados. Tinha dificuldades para respirar. Era como se algo estivesse a sufocando.
Pegou o fósforo na cozinha, um frasco de álcool e se trancou no banheiro. Ainda ficou na dúvida, mas precisava seguir em frente e dar um fim à sua terrível existência. Encharcou o corpo de álcool, mas quando ia riscar o fósforo, escutou gritos e choros na sala. Saiu para ver o que estava acontecendo. Sua mãe estava em prantos: Carlinhos havia sido assassinado no conjunto habitacional da Penha por traficantes.
NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.
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Que vida é essa! Coitada!
O mau elemento se foi. E ela tomou um golpe, que cretino
Tão desesperada em mudar de vida que não enxergou um grande golpe. Acabaram de se conhecer e dar todo o seu salário?!