Por: Jorge Eduardo Magalhães
Em uma manhã de sexta-feira, Sandra ligou para a escola, avisando que Tia Evilásia havia falecido. Segundo Sandra, dormiu e não acordou mais, e a perícia constatou que se tratava de um infarto fulminante. Com a voz seca, Sandra pediu a Ana Flor e sua mãe que providenciassem o sepultamento, pois estava muito ocupada com atividades profissionais.
– Depois transfiro o dinheiro para a tua conta. – disse Sandra a Ana Flor, desligando o telefone em seguida.
Indignada com o descaso da prima, Ana Flor tentou ligar de volta para Sandra que não atendeu o telefone. Dona Evarista, também não se chocando com a morte da irmã, censurou a filha.
– Como você é egoísta.
– Mas mãe, ela que é a filha!
– Ela vai te pagar, só é muito ocupada, não tem a tua vida medíocre.
– Eu não tenho dinheiro.
– E aquele teu dinheiro da poupança.
– Estou juntando para retornar à faculdade.
– Que faculdade que nada.
– É meu sonho!
– Ela vai te pagar, a Sandrinha é uma pessoa digna, não é como você!
Percebendo que a mãe ameaçava fazer um escândalo na escola, Ana Flor pediu que a diretora a dispensasse e foi agilizar o sepultamento da tia. Pensou em desistir, mas não teve coragem. Sabia que precisava criar forças para se livrar daquele contexto em que vivia, mas não conseguia: estava sozinha.
Fez o pacote de sepultamento mais barato. Já em casa, Dona Evarista ao verificar o que o pacote oferecia, fez um escândalo:
– Deixa de ser miserável!
– Mas a filha dela é a Sandra!
– Ela já disse que irá te pagar!
– Mamãe, por favor!
– A Evilásia era mãe de uma celebridade. Com certeza, comparecerão diversos artistas no sepultamento, a Sandrinha não pode fazer vergonha. Ela é uma pessoa famosa. Será que você não compreende isso?
– Senti muito pela morte da Tia Evilásia, mas a Sandra que era a filha dela.
– Coitada da Sandrinha! Perdeu há pouco tempo o irmão, daquele jeito trágico! Agora perdeu a mãe.
– Ela não pareceu sentir muito.
– Pare de falar besteira.
– Realmente, isso não me interessa, mas não vou gastar dinheiro com sepultamento de luxo!
– A Sandrinha é uma pessoa famosa, não é anônima como você. No teu sepultamento, pode até te enterrar como indigente, mas no da minha irmã, que tinha uma filha tão famosa, precisa ter um sepultamento à sua altura.
Margarida, cuja barriga já começava a aparecer, entrou na conversa.
– Não perco este enterro por nada. Deve ir o pessoal da novela Vontade de amar.
– Pois é, por isso que falei para tua irmã que a Evilásia merece um enterro decente.
– Então a Sandra que pague.
– Mas ela não tem tempo.
– Mamãe, por favor…
Dona Evarista começou a fazer um escândalo e a jogar as coisas que acumulava longe, deixando a casa ainda mais revirada. Os cachorros começaram a latir e os gatos desapareceram. O escândalo foi tão intenso que as pessoas que passavam pela rua, olhavam para dentro da fétida casa.
Repleta de vergonha e constrangimento, Ana Flor, deu um ultimato à mãe, na verdade, querendo dizer o contrário:
– Está bem, mamãe. Ligarei para a funerária.
Quase que instantaneamente, Dona Evarista cessou o escândalo, dando um sorriso vazio, com um olhar distante.
– O sepultamento da Evilásia será à altura da mãe de uma celebridade!
O sepultamento, que seria no Cemitério de Inhaúma, foi transferido para o São João Batista, afinal de contas, os famosos não se deslocariam até o subúrbio. No dia do funeral, Dona Evarista e Margarida se arrumaram e se maquiaram excessivamente, como se fossem a uma festa.
– Será que aquele ator do Vontade de amar vai ao enterro? – perguntava Margarida, com entusiasmo.
Percebendo que Ana Flor colocara apenas uma calça jeans e uma blusa de malha, Dona Evarista interpelou:
– Você vai assim no sepultamento da tua tia?
– Não é nenhuma festa.
– Você sempre foi desleixada com teu modo de se vestir, puxou ao teu pai! Será que não vê que vão ao sepultamento famosos e autoridades? Vai colocar uma maquiagem nessa cara!
Ainda tentou resistir, mas como a mãe ameaçou fazer um escândalo. Trocou de roupa e passou um batom. Dona Evarista a olhou da cabeça aos pés:
– Não está como deveria, mas para você está bom.
Naquele momento desejou que a mãe sofresse um infarto fulminante, assim como sua tia, mas logo teve remorsos de seus pensamentos.
Dona Evarista fez questão de colocar tulipas brancas no velório e um tapete vermelho na capela. Levou ainda um isopor com gelo, contendo engradados dos Refrigerantes Miquelina, encomendando ainda um bolo salgado, afinal, os convidados precisavam ser bem assistidos, não querida fazer feio. Em torno do caixão, Dona Evarista ainda espalhou as fotos da irmã.
– Agora está tudo pronto para o sepultamento da mãe de uma pessoa famosa. – dizia Dona Evarista.
– Estou ansiosa para ver aquele galã. Como é mesmo o nome dele?
– A Sandra que já deveria ter chegado… – dizia Ana Flor, constrangida com toda aquela parafernália.
– Artista é assim mesmo,
Ana Flor, em seu silêncio, percebia que sua mãe estava cada vez mais enlouquecida, não adiantava tentar um diálogo com ela, pois vivia em um mundo paralelo. Olhando para o cadáver da tia, recordou a sua infância e o processo de degradação de sua família, de como seu pai foi se entregando à bebida e a mãe ficando desleixada, só tendo olhos para a família da irmã, ou melhor, criando um ideal imaginário em relação à Tia Evilásia e os seus.
Ficava pensando em uma forma de se livrar de sua família, daquela escola maldita, mas não encontrava nenhuma solução; aliás, tinha consciência de que lhe faltava iniciativa, coragem. Não sabia por onde começar. Deveria ter criado coragem de enfrentar sua família, dizer não às loucuras de sua mãe, não ter medo de seus escândalos. Precisava criar coragem, sair daquela casa, pedir remoção para outra escola bem longe dali e não dar endereço para ninguém.
Aproximava-se a hora do sepultamento e ainda não havia aparecido ninguém, nem mesmo Sandrinha.
– Poxa! Ainda não apareceu nenhum artista. Queria ver aquele galã da novela! – dizia Margarida, frustrada.
– Calma! Eles ainda vão chegar. Deve ser o trânsito. – tentava justificar Dona Evarista.
– Hoje o trânsito está tranquilo. – respondeu um funcionário do cemitério.
– Já está quase na hora, mamãe. – Indagou Ana Flor, ainda presa aos seus tristes pensamentos.
– Vamos beber os refrigerantes e cortar o bolo salgado?
– Não senhora, Margarida. Vamos esperar os convidados.
– Mas está quase na hora do enterro, e eu estou grávida: preciso comer!
Ana Flor, mais uma vez, tentou convencer a mãe:
– Acho que não vem ninguém, mamãe.
– Você sempre teve inveja de sua prima, claro que vem. A Evilásia era mãe de uma celebridade! Não é de uma professorinha primária como você!
Por alguns instantes, Ana Flor teve o impulso de dizer umas verdades para a mãe e virar as costas, mas algo a travou e se conteve.
– Já está quase na hora. – enfatizou o funcionário.
– Não dá para esperar os convidados chegarem? – implorou Dona Evarista.
– Posso esperar mais uns dez minutos.
– Quinze, por favor.
– Já estou morrendo de fome! – reclamou Margarida.
– Cala essa boca! Respeite a memória de minha irmã!
Ana Flor sentia um misto de revolta e constrangimento com aquela cena deprimente. Tinha a sensação de que estava dentro de um pesadelo. A sua vontade era de sair correndo. Não sabia o que fazer. Era, de fato, um dos momentos mais bizarros de sua triste existência.
Percebera que a equipes do cemitério e da funerária prendiam o riso e cochichavam, olhando para as três. Ana Flor não podia nem reclamar, pois tinha consciência de que a situação era, realmente, risível. Margarida com aquele vestido vermelho e Dona Evarista com um longo brilhante, já apertado nela.
– Não dá mais para esperar, senhora. – disse o funcionário.
– Só mais um pouco. – insistiu Dona Evarista.
– Não tem como.
O cortejo fúnebre saiu apenas com as três. Dona Evarista ainda olhou para trás, para verificar se chegaria alguém. Enquanto acompanhavam o caixão, Margarida devorava o bolo salgado, junto com o Guaraná Miquelina. Ninguém apareceu no cortejo fúnebre, nem mesmo Sandra, que também não ressarciu Ana Flor com as despesas.
– A Sandrinha deve ter tido algum compromisso na TV. – justificava Dona Evarista.
NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.
Acessem meu blog: http://jemagalhaes.blogspot.com
Adquiram meu livro UMA JANELA PARA EUCLIDES
editorapatua.com.br/uma-janela-para-euclides-dramaturgia-de-jorge-eduardo-magalhaes/p
A triste degradação humana! Espero um final feliz!
Essa Ana Flor é uma estupida, estou começando a ficar indignado com a incompetência dela, nao devia ter feita enterro nenhum, tá precisando cair de quatro e comer grama
Essa guria está em uma verdadeira prisão psicológica e emocional.