O DOCE SABOR DA MIQUELINA: CAPÍTULO 14 – Nascimento e decadência

Por: Jorge Eduardo Magalhães

Margarida deu à luz a uma menina, em um hospital municipal. Nasceu de parto normal e foram nove meses sem nenhuma consulta médica. Em um final de semana, a bolsa estourou e correram para o hospital. Felizmente, correu tudo bem e a menina nasceu saudável. Colocou-lhe o nome de Brenda.

– Nasceu a minha neta. Se dependesse de você me dar um neto, não é mesmo? – disse Dona Evarista de forma cruel à Ana Flor.

Durante esse tempo de gestação de Margarida e o nascimento de Brenda, o programa Adilson Show foi perdendo audiência e acabou saindo doar. Até alguns meses após o fim do programa, Sandrinha ainda levou os Refrigerantes Miquelina para a tia, que sempre a recebera com honra de celebridade.

Com o tempo, as visitas de Sandrinha Miquelina foram rareando, e a sua pequena e efêmera fama se esvaindo, até cair no total esquecimento. Consequentemente, o estoque dos Refrigerantes Miquelina foi se esgotando até não sobrar mais nem uma garrafa da bebida.

O Programa Adilson Jr. ainda fez apresentações em clubes de pequeno porte com uma caravana pelo interior do Rio de Janeiro e de Minas Gerais; entretanto, com o tempo, os trabalhos foram ficando escassos, até que a trupe de Adilson e de suas adilsetes se desfez de vez.

Dona Evarista, como em um estado de abstinência, começou a perturbar Ana Flor para que descobrisse onde poderia encontrar os Refrigerantes Miquelina. Timidamente, Ana Flor tentou resistir.

– Eu quero o refrigerante!

– Então pede para a tua querida sobrinha!

– Ela não vai poder mais me trazer! Tem uma carreira artística! Vai muito além do que você imagina.

– Então pede a ela.

– Você tem é inveja da tua prima, porque sabe que ela vai longe e você vai ficar aqui marcando passo.

– Vou sim. E tem que dar graças a Deus, porque a hora que eu for embora, não volto mais.

– Você ir embora? – deu uma gargalhada. Nem para isso você tem coragem.

– Não duvide de mim.

– Agora vai procurar meus refrigerantes.

– Não vou.

– Não vou falar novamente.

O olhar de ódio de Dona Evarista era latente.

– Pede para a Margarida então.

– Eu quero que você vá.

Dona Evarista começou a ficar vermelha e com a respiração ofegante.

– Mas, mamãe…

– Você vai agora! – disse aos gritos, jogando as coisas longe.

Mais uma vez, cedeu ao escândalo que a sua mãe ameaçou fazer, e saiu em busca dos refrigerantes. Ana Flor rodou por diversos bares e depósitos de bebidas, à procura dos Refrigerantes Miquelina. Perdeu quase que um dia inteiro, até encontrar em um depósito em Cascadura. Comprou uns três ou quatro engradados para, pelo menos, acalmar a sua mãe. Ainda buscou os refrigerantes, durante algum tempo, nesse local, até que o Toninho, proprietário de um bar na Piedade, ao saber do vício de Dona Evarista na bebida, ofereceu fornecer, com um acréscimo no valor. Levando em conta o custo-benefício, Ana Flor começou a comprar com Toninho.

Ao voltar a consumir os Refrigerantes Miquelina, Dona Evarista se acalmou, durante algum tempo e retornou ao seu estado de transe, falando sobre a pseudocarreira artística de sua sobrinha, o que deu uma sensação de alívio a Ana Flor, que conseguiu se livrar dos escândalos da mãe.

Ouvira falar, através línguas maledicentes, que sua prima estava trabalhando em um centro de lazer, na Rua da Quitanda, e atuando como atriz em diversas produções de conteúdo adulto; mas Ana Flor não se importava com isso, afinal de contas, não era problema dela.

Por outro lado, além de toda a sujeira de sua casa ter aumentado e os animais de estimação se multiplicado, o choro da filha de Margarida era incessante. Não bastava só os latidos dos cães e o ronronar das gatas no cio, mas também o choro estridente da pequena Brenda. Não sentia mais o mau cheiro da casa, pois seu nariz já estava acostumado.

Inicialmente, quando Brenda nasceu, Margarida ficou comportada durante algum tempo. Cuidava da filha com zelo, olhando a fralda, dando-lhe banho e peito. A princípio, Ana Flor pensou que a irmã, com a maternidade, realmente havia se transformado em uma outra pessoa. Dona Evarista suspirava, com admiração:

– A Margarida nasceu mesmo para ser mãe. Pelo menos ela me deu um neto.

Ana Flor não se importava com os comentários da mãe, afinal, só o fato de a irmã estar tomando juízo já era um bom sinal. Acreditava que até os estudos Margarida poderia retomar e dar uma vida melhor para sua filha. Ana Flor começava a pensar novamente em seu antigo projeto de abandonar aquela casa.

Durante os dois ou três primeiros meses, Margarida não arredou de perto de seu bebê e sempre repetia, embalando-a:

– É tão bom ser mãe!

Entretanto, mal sabiam elas que a jovem mãe apenas estava brincando de boneca, naquela fase inicial da maternidade e, quando saiu do período do resguardo, voltou a sair para seus bailes e deixar a criança aos cuidados da tia. A pequena chorava e Dona Evarista logo gritava para Ana Flor:

– Não vê que tua sobrinha está chorando?

Era Ana Flor quem dava banho e trocava fralda da pequena Brenda. Comprava os pacotes de fralda, o leite e a papinha. Devido à irresponsabilidade da mãe, Ana Flor passava as noites acordadas quando a menina tinha febre, enquanto Margarida se divertia nos bailes.

Certa vez, ao chegar do trabalho, para variar, a bebê estava chorando e Dona Evarista, aos berros, foi cobrar Ana Flor:

– Vai trocar fralda da tua sobrinha!

Ana Flor, finalmente, retrucou:

– Cadê a mãe dela?

– Não está em casa.

– Ela que deveria estar aqui cuidando da filha.

– Você sabe como a tua irmã é.

– E o que eu tenho a ver com isso?

– Tem que você é a tia dela.

– E a Margarida é a mãe!

– Tua irmã, é livre! Tem personalidade! Não é uma mosca morta como você! – dizia aos berros.

– Não fui eu que fiz filhos para abandonar, porque se fosse eu, tenho certeza de que todos estariam me criticando.

– Como você é egoísta.

– Ah! Eu que sou egoísta!

– E invejosa! Porque ninguém te quer e nem capacidade de ter um filho, de me dar um neto você tem.

– Maternidade tem que ser consciente.

– Lá vem você com suas ladainhas!

– Eu não tenho obrigação nenhuma com esta criança, não sou a mãe. Tenho certeza de que fosse eu que arranjasse filho na rua, sem nem saber quem é o pai, eu nem entraria nesta casa.

– Para de falar e cuida da menina que ela está precisando.

– Mas, mamãe…

– Cala essa boca e faz o que estou falando!

Ana Flor tinha pavor dos escândalos da mãe, trocou a fralda da criança e lhe deu papinha. Estrebuchava de ódio. O desrespeito é algo que sempre aumenta gradativamente, além de cuidar da sobrinha, Ana Flor ainda comprava fraldas e outras necessidades. Quando demorava um pouco mais na rua, sempre era chamada atenção pela mãe e pela própria irmã para cuidar da sobrinha.

O refúgio de Ana Flor era seu quarto, o único local limpo da casa e, devido à sua resistência, que os animais não entravam. Passava horas trancada, escrevendo As Aventuras da Menina Florzinha, transportando-se para o mundo de sua personagem, que vivia em um lugar maravilhoso e experiências fantásticas. Era o seu momento de alegria.

Às vezes olhava em torno de seu quarto, de sua casa, de uma forma geral, e refletia que tudo aquilo cada vez estava mais decadente, não só o espaço físico, como sua família e até o bairro pareciam perecer de uma forma bastante acelerada. Tudo à sua volta parecia ruir.

De certa forma, os escritos sobre a Menina Florzinha eram não só uma válvula de escape, mas também uma forma de retornar à sua breve e feliz infância. Não conseguia entender o porquê da ruína de sua família, o motivo do gradativo processo de enlouquecimento de sua mãe.

Parecia ver à sua frente a Menina Florzinha correndo pelo quarto, feliz da vida, e o tão bem asseado, repleto de brinquedos infantis e decorado com bastante asseio. Tempos maravilhosos aqueles. Ficava emocionada ao recordar a sua infância, quando seu pai ainda era vivo e não havia mergulhado no vício da bebida.

Sozinha em seu quarto, começava a soluçar, pois não conseguia enxergar um modo de desaparecer, de se livrar daquele martírio.

Despertou de suas reflexões, com sua mãe batendo na porta do seu quarto, aos berros:

– Você não está ouvindo a tua sobrinha chorar?

Teve o impulso de sair e esbofetear a mãe, mas se conteve. Enxugou as lágrimas, abriu a porta e saiu.

NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.

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3 Comentários

  1. Avatar

    Que tenso! Coitada! Devia sumir e não voltar mais!

  2. Avatar

    Receio que o fim seja trágico..

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