O DOCE SABOR DA MIQUELINA: CAPÍTULO 17 – Um terrível flagrante

Por: Jorge Eduardo Magalhães

O dia na escola foi pesado. Uma mãe, achando que seu filho fora ultrajado, invadiu as instalações e agrediu a Vírgula com puxões de cabelos e, como era bastante leve, foi arrastada pelo corredor na unidade escolar. As professoras, embora apavoradas, esconderam-se e não a ajudaram.

Chorando, Vírgula pensou em chamar a Polícia, mas foi impedida por Dona Ivone que, quase a intimou a desistir de denunciar a mãe do aluno. Vírgula teve que tomar um calmante para sossegar o pranto e a mãe saiu rindo. Foi, de fato, um dia muito tenso na escola.

Voltando para casa, devido ao incidente que encerrou as aulas, por motivo de segurança, Ana Flor, caminhando pelas ruas da Piedade, refletiu sobre o caos que estava à sua volta. A escola onde estudara na infância, que sua mãe, antes da insanidade, trabalhou como servente e agora lecionava, estava um verdadeiro chiqueiro, tanto física quanto humanamente.

A agressão que a Vírgula havia sofrido a incomodou bastante, fez com que sentisse uma espécie de catarse; identificou-se com sua fraqueza, com a sua submissão em relação à diretora-geral. Percebia que, assim como ela, a Vírgula sentia vontade de partir para cima da Dona Ivone. Aquela agressão não fora apenas a Vírgula que havia sofrido, mas também todo o corpo docente.

O seu bairro, que na infância e, até no começo da adolescência, parecia ser tão pitoresco e encantador, agora estava completamente decadente e abandonado. Tanto o fechamento da fábrica de açúcar, onde seu pai trabalhou, quanto a falência da universidade, transformaram-no em um local morto. Com o encerramento da universidade, muitos comércios, principalmente, bares e restaurantes, fecharam suas portas.

Pelo percurso da escola até sua residência, percebia que a quantidade de moradores de rua havia aumentado consideravelmente. As vias estavam mais sujas. Tudo ao seu redor, principalmente a sua casa, trazia-lhe uma sensação de abandono, de esvaziamento e decadência.

Como sempre, voltava se arrastando para casa e, à medida que se aproximava de seu lar, uma terrível angústia surgia dentro de seu eu. O mal cheiro ia surgindo a dois quarteirões e se intensificando, à proporção que chegava mais perto. Sentia uma enorme taquicardia e diminuía seus passos.

Pensou na Vírgula, vítima de um sistema, de uma cruel tirania que era o sistema educacional, obrigada a conviver, representado por aquela unidade escolar, dirigida por uma déspota, como Dona Ivone, que fazia parte de toda aquela maquiavélica engrenagem.

Aliás, ela, a Vírgula, a Helena, a Sônia e até mesmo a Dona Ivone, cada qual da sua forma, eram vítimas de um sistema cruel, onde sofriam, incomodavam-se, mas não tinham coragem nem iniciativa de mudar, de tomarem um rumo para as suas medíocres vidas.

Finalmente chegou à porta de casa, abriu o portão. Tudo parecia estar no mais completo silêncio. A casa parecia ainda mais fétida e o número de gatos parecia ter duplicado. Escutou um barulho no quarto de Margarida. Teve um estranho pressentimento. Entrou sem fazer barulho.

Dona Evarista dormia de boca aberta em frente à televisão. Teve a impressão de que havia engordado ainda mais. Sentiu uma enorme sensação de desprezo em relação à sua mãe. À sua volta, frascos de Refrigerantes Miquelina, já vazios. Um sussurro estranho vinha do quarto de Margarida. Aproximou-se, percebeu que a porta estava apenas encostada e a abriu lentamente, não acreditando no que via: Brenda e Wesley nus na cama. Ana Flor os pegou no ato, com os corpos unidos. Quando Brenda percebeu a presença da tia, afastou o namorado da mãe.

– Oi, tia! Chegou cedo!

– O que significa isso

– Calma, tia!

– Aqui em casa não admito isso!

Wesley tentou se explicar:

– Sabe o que acontece…

– Será possível que você não tem um pingo vergonha? Você é o namorado da Margarida, mãe da Brenda!

– Eu sei disso, mas…

– Fora que ela é menor de idade.

– Já sou mulher.

Dona Evarista despertou:

– Que gritaria é essa? Não posso nem dar o meu cochilo.

Brenda se cobriu com o lençol e Wesley se vestiu, rapidamente, espantando os gatos que andavam pelo quarto. Um forte cheiro de sexo e morrinha de gato se misturavam no ar. A cena que presenciara, junto com a mistura de odores, provocava náuseas em Ana Flor.

– Vocês não têm vergonha?

Dona Evarista se aproximou, andando com dificuldade.

– O que foi que está acontecendo?

– A tua neta estava na cama com o namorado da mãe dela.

– Eu posso explicar, vovó.

Ficaram em silêncio durante alguns instantes. Dona Evarista olhou para os três e deu um sorriso:

– Deixa de ser histérica, me acordar por causa de bobagem.

A seguir, foi até a cozinha, arrastando as pernas, com muita dificuldade, para pegar mais refrigerante.

– Com licença – disse Brenda, batendo a porta na cara da tia e trancando com a chave. Do lado de fora, escutavam-se os gemidos.

Ana Flor estava atônita com aquilo tudo. Tinha a sensação de estar dentro de um pesadelo. Precisava dar um jeito em sua vida. Esperou até Margarida chegar, já tarde da noite. Usava uma saia minúscula e um bustiê.

– Margarida, preciso falar contigo.

– Agora? – perguntou Margarida, mascando um chiclete.

– Nem sei por onde começar.

– Do começo! – dizia Margarida, caindo na gargalhada.

– Estou falando sério. É algo grave.

–Então diz logo, porque vou tomar um banho e sair de novo.

Neste momento, Dona Evarista passou com um frasco de Miquelina Laranja nas mãos.

– Essa aí está histérica, Margarida! Não dá ouvido para ela não. Deve ser falta de homem.

– Fala logo! – disse Margarida, impaciente.

– É sobre a Brenda e o Wesley.

Margarida deu um riso.

– O que tem?

– Eu vi os dois no quarto de vocês!

– Nem precisa terminar.

– Por quê?

– A gente divide o bofe.

– Como assim?

– Deixa eles se divertirem.

– Isso aí! – confirmava Dona Evarista, dando uma gargalhada sarcástica e bebendo refrigerante no gargalo.

– Mas a Brenda é menor de idade.

– Nossa! Como você é chata! Eu mais nova que a Brenda já tinha tido um monte de homens.

– Essa encalhada é muito chata – ressaltava Dona Evarista.

– Eu não admito isso!

– Problema teu – gritou Dona Evarista.

– Os incomodados que se mudem – disse Margarida.

– O dia em que eu sair desta casa, vocês vão ter que trabalhar ou viver com a minguada aposentadoria da mamãe, porque não terão de mim um tostão! Vocês vão ver só.

Dona Evarista deu uma gargalhada:

– E você tem coragem de sair? É uma molengona! E fora que você vai para onde? Ninguém te quer!

Brenda e Wesley saíram do quarto, enrolados em toalhas e se trancaram no banheiro.

– Deixa eu tomar um banho aí com vocês.

A porta foi destrancada e Margarida entrou. Apenas se ouviam sussurros e o barulho da água do chuveiro. Sem ação, Ana Flor se trancou no quarto. Caiu na cama e começou a chorar. Estava perdida, em um caminho sem rumo onde não conseguia enxergar uma luz no fim do túnel.

A partir desse dia, ao chegar em casa, dirigia-se direto para o seu quarto sem olhar nem falar com ninguém. Certificava-se de que o banheiro, que ficava em frente ao seu quarto, estava vazio e entrava direto para o banho. Tinha que expulsar os gatos, antes de usar. Nunca davam descarga. Sentia um imenso asco em todos os cômodos da casa, principalmente no banheiro, que deveria ser um local para fazer as necessidades e a higiene.

Ficava muito tempo debaixo do chuveiro se esfregando com força, querendo tirar a sujeira da escola e de sua própria casa. Sentia-se imunda. Depois, trancava-se e não saía mais do quarto. Deixava a água cair no seu corpo, durante bastante tempo, abaixava e começava a chorar.

Não poderia continuar naquela casa, naquela escola, naquele bairro. Estava decidida a desaparecer. Sairia daquele local para sempre.

NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.

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2 Comentários

  1. Avatar

    A consciência do cao.s já é um passo. Agora falta agir

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