Por: Jorge Eduardo Magalhães
Segundo as mais variadas especulações, pelos corredores da escola a até mesmo no entorno do bairro, Dona Ivone havia denunciado a si mesma para gerar comoção na comunidade escolar, sair fortalecida e ainda acusar a sua diretora adjunta de ter feito a denúncia.
Ana Flor, por ter ido embora antes de a reunião terminar, não assistiu ao desfecho de toda aquela baixaria, mas ficou sabendo que a Vírgula teve um ataque de nervos no meio da reunião, começou a se estrebuchar no chão e a babar espuma. Estava licenciada pela psiquiatria.
Cada vez mais, Ana Flor odiava tudo ao seu redor. Passou a não descer mais para a sala dos professores no intervalo. Era a primeira a chegar, assinava o ponto e subia direto para evitar qualquer conversa. Dava a sua aula e, na hora do intervalo, permanecia em sala, geralmente, lendo algum livro.
Passou também a não almoçar na escola e nem em casa, apesar de morar perto do trabalho. Geralmente, comia em alguma pensão ou restaurante barato com comida a quilo. Isolava-se de tudo e de todos cada vez mais. Foi a forma encontrada e que lhe permitia sofrer menos.
Começou a fazer hora na rua, após o término de sua jornada, chegando cada vez mais tarde em casa. Sua família, que antes só se dava conta de sua ausência quando precisava de dinheiro, passou a ignorá-la de vez, tendo em vista a ajuda financeira que recebia de sua prima Sandra.
Devido à grande quantidade de lixo e de tralhas na casa inteira, que se acumulavam cada vez mais, junto com os felinos que passavam de cem, não se deu conta do material para filmagem no canto da sala, que Sandra havia levado para iniciar o trabalho em breve.
As filmagens começaram e Ana Flor só se deu conta depois de mais de uma semana, quando estava muito cansada; naquele dia, não quis vagar pelas ruas, e foi direto para casa ao terminar seu trabalho. Ficou em choque com o que viu. Não acreditava no que presenciava.
– O que significa isso? – gritou Ana Flor.
– Corta! – disse Paolo para sua pequena equipe.
– Lá vem essa chata atrapalhar tudo! – disse Dona Evarista entre os dentes, sentada em uma cadeira, com uma garrafa de Miquelina Uva na mão.
Ana Flor estava em estado de choque. No quarto, Margarida, Wesley e Brenda inteiramente nus. Faziam sexo a três, em meio a toda aquela sujeira, junto com os gatos que subiam na cama, enquanto a equipe de Paolo filmava a cena. Ao serem flagrados por Ana Flor, aparentemente, ninguém ficou constrangido, apenas irritados por ter atrapalhado as filmagens.
– Quer dizer que esse é o filme que vocês queriam fazer?
– E você atrapalhou tudo! – disse Dona Evarista, sentada em uma velha cadeira, assistindo a tudo, com seu inseparável refrigerante.
– Relaxa, vai entrar uma grana boa! – disse Margarida.
– A gente faz tudo de graça mesmo; – disse Brenda – entrando uma grana, vai ser melhor ainda.
– A gente une o útil ao agradável! – completou Margarida.
– Fora que está uma delícia… – disse Wesley.
– Cala essa boca! – gritou Ana Flor.
– Sempre histérica! Que coisa chata! Não liga para ela não, Paolo. Essa aí sempre foi mal-amada.
Paolo era um italiano, com sessenta e poucos anos e pele rosada.
– Quem é essa aí? – perguntou Paolo com seu sotaque italiano.
Tentando mostrar serenidade, Sandra fez as apresentações:
– Deixa eu te apresentar: esta é Ana Flor, minha prima, filha da tia Evarista, este é meu marido Paolo.
Os dois ficaram calados se olhando. Ana Flor prosseguiu:
– Sandra, você pode me explicar o que está acontecendo?
Paolo falou para a equipe:
– Cinco minutos para beber uma água.
A equipe se dispersou, inclusive os três “atores” que se cobriram e sumiram, durante algum tempo.
– Prima, deixa eu te explicar…
Dona Evarista interrompeu:
– Não dá satisfação para essa aí, não.
Sandra prosseguiu:
– Este tipo de filme se chama Dirty Movies, que é a nova tendência na Europa, em alas fechadas.
Ana Flor estava trêmula.
– O que é isso?
– São filmes com cena de sexo explícito, em locais sujos, como esta casa. São feitos em lixões, locais abandonados e casas assim como esta. Esses filmes são exibidos em salas fechadas por toda a Europa, principalmente em Roma, por preços muito altos, para um público seleto, admiradores do gênero.
– Não sei como alguém pode gostar de um lixo como esse tipo de filme que vocês produzem.
– Há muito tempo tínhamos projetos de realizarmos filmes aqui no Brasil, e esta casa é um lugar perfeito para executarmos nosso projeto.
Foram interrompidas por Paolo:
– Quando puder retomar as filmagens, avise. Mas não demorem muito, porque temos prazos a cumprir.
– Pode deixar. – disse Sandra, tentando passar naturalidade.
– Sandra, você é nossa prima, como você pode envolver a desmiolada da minha irmã e a minha sobrinha, que ainda é menor de idade?
– Prima, isso é um moralismo da tua parte. De uma forma não ortodoxa, estou ajudando a tua família.
– Ajudando? Isso é crime! A Brenda ainda é menor de idade. Vou chamar a polícia agora.
Pegou seu velho celular, mas foi impedida por Sandra que segurou sua mão, antes que Ana Flor discasse.
– Não faça isso, por favor! – disse Sandra, com tom ameaçador.
– Claro que vou.
– Melhor não fazer. Não quero tomar medidas drásticas. Isso é aqui é algo muito sério.
Nesse momento, três homens, provavelmente seguranças de Paolo, cercaram Ana Flor. Percebendo que Sandra não estava brincando, Ana Flor, intimidada, guardou o celular.
– Você está me ameaçando?
Sandra manteve o seu tom sereno:
– Dê o nome que quiser, prima.
– Não esperava isso de você.
– Sabe que sempre tive muita estima por você.
– Estou vendo.
– Este projeto envolve muito dinheiro e muita gente poderosa. Faremos uma sequência de filmes aqui nesta casa, inclusive atuarei em alguns desses filmes. É uma fonte inesgotável de lucro.
– Sandra, preciso te denunciar.
Sandra foi enfática:
– Tenho muito carinho por você, mas isso tudo que está vendo envolve muito dinheiro. Se fizer isso, será lamentável, não quero mandar fazer isso, mas, infelizmente, você terá que ser eliminada.
Ana Flor levou um susto ao ouvir as palavras da prima.
– Sandra! Você teria coragem de mandar me matar? Fomos criadas praticamente juntas.
Sandra riu, cinicamente.
– Não se trata exatamente de coragem, trata-se de necessidade, de logística, mas só se fosse o caso.
– Mas somos primas, sempre fomos amigas.
– Mas minha amiga é a nossa organização, que me deu tudo o que tenho hoje. Uma vida confortável.
– Parece que estou em um pesadelo.
– Pode sair, pessoal, não precisam se preocupar; está tudo sob controle! – disse Sandra aos seguranças.
Os seguranças se afastaram. Sandra prosseguiu:
– Mas pode ficar tranquila, prima, que não precisarei mandar te eliminar. Sabe por quê?
– Por quê?
– Porque sei que você não me denunciará, não é mesmo? Você tem muita amizade por mim para fazer isso. – disse Sandra, em tom sarcástico.
Paolo voltou com sua equipe.
– Podemos retomar as filmagens?
– Podemos sim, amor. – disse Sandra ao marido.
– Minha filha e minha neta vão ficar famosas> – indagou Dona Evarista, em seu desvario.
Ana Flor não conseguia acreditar naquilo tudo. Afastou-se, sem falar nada. Ainda atônita, pegou algumas poucas roupas, colocou em uma sacola e saiu de casa sem olhar para trás. Estava enojada com aquilo tudo. A sua vida lhe causava repulsa. Dormiria em alguma hospedagem ou hotel barato para tentar colocar em ordem as suas ideias. As filmagens prosseguiram.
NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.
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Tem que chamar a policia, botar todos na cadeia e vender a maldita casa
Que situação louca! Impensável!