Por: Jorge Eduardo Magalhães
A equipe de filmagem, liderada por Paolo, filmava Jenifer fazendo sexo, no quarto da irmã e da sobrinha, com um homem bem mais velho e obeso, no meio dos gatos que perambulavam pela casa e subiam na cama, em meio à cópula do casal. O homem, muito suado, grunhia como um porco. Uma verdadeira cena asquerosa. Brenda e Margarida esperavam entrarem em cena, enroladas em uma toalha.
Parecia estar anestesiada. Passou direto e se sentou ao lado da mãe que assistia TV, bebendo um Miquelina Limão.
– O que está assistindo, mamãe?
– Estou assistindo alguns vídeos antigos do Adilson Show. Olha como a Sandrinha era novinha.
– Estou vendo.
– Quer um Miquelina?
Há muitos anos que sua mãe não lhe falava com uma voz tão doce quanto aquela.
– Vou tomar um Guaraná Miquelina.
Dona Evarista olhava emocionada para a TV. Ana Flor não prestava atenção, apenas olhava em direção à televisão, sem nem prestar atenção.
– Olha como a Sandrinha dançava bem! – continuou Dona Evarista.
Dona Ivone entrou com mais uma menina que havia sido sua aluna há uns três anos e desaparecido da escola. Ana Flor não se do lembrava seu nome.
– Será que eu conseguirei passar no teste? Meu sonho sempre foi ser atriz. – dizia a menina à Dona Ivone.
Ana Flor ficou mais de um mês, diante da TV, ao lado da mãe, assistindo aos antigos vídeos do Adilson Show. Começou a ficar vidrada nos Refrigerantes Miquelina e não saía mais de casa. O Miquelina era a sua paixão. Os frascos e as latas vazias se aglomeravam cada vez mais pela casa. Ana Flor engordava cada vez mais e a imagem de Renan era uma vaga e distante lembrança.
Chegaram as eleições e Joãozinho do Posto foi derrotado. Surpreendentemente, Carlos da Farmácia foi eleito com uma vantagem estrondosa. Dona Ivone dissolveu a Liga das Mães, alegando que o grupo estava causando muitos problemas. Inclusive não deixou Joãozinho do Posto entrar mais na escola, pois ele não era funcionário, nem professor, nem pai de aluno. Os responsáveis estavam reclamando de sua presença. Descontrolado, Joãozinho xingou a diretora de tudo quanto era nome. Dona Ivone, em uma reunião de pais, se justificou sobre o incidente ocorrido com o derrotado aspirante a vereador:
– Reconheço que dei muita liberdade àquele indivíduo. Assumo que errei, dou a minha mão à palmatória. O problema é que tenho um coração mole, sou boba. Acredito na bondade das pessoas.
Imediatamente, Dona Ivone começou a se aproximar de Carlos da Farmácia, recebendo-o com um sorriso que não se desmanchava da boca, quase estendendo-lhe um tapete vermelho, aproveitou para convidá-lo para ser homenageado na festa de final de ano, na escola.
Sabendo da dissolução da Liga das Mães, a Vírgula voltou de licença. Todos perceberam que estava ainda mais magra, envelhecida e encurvada. A Helena continuava se relacionando com o mesmo homem casado. Segundo as especulações, o tal homem havia se separado da mulher, Helena achou que fossem se casar. Ele se casou com outra, e Helena continuou sendo amante, fazendo jantares românticos, a que ele não comparecia e desligava o celular.
A Sônia teve uma crise nervosa, pois seu marido retirou todo o dinheiro do banco e fugiu com outra mulher. O seu estado emocional ficou tão abalado que apareceram bolhas por todo o seu corpo, provocando muita irritação e coceira. Também ficou umas duas semanas de licença. Melhorou e voltou a trabalhar, assim como seu marido, que voltou para casa assim que o dinheiro acabou e a amante não quis saber mais dele.
– Foi um erro que ele cometeu, mas agora mudou, está outro homem… – justificava o retorno do marido.
De vez em quando, Ana Flor tinha uns lapsos de lucidez e sentia uma enorme tristeza. Como todos se acostumaram com ela alheia a tudo, nem se importando mais com os Dirty Movies, ninguém mais a vigiou e a deixava à vontade, pois passava praticamente o dia inteiro assistindo aos antigos vídeos do Adilson Show com a mãe, engordando a olhos vistos.
Em uma dessas crises de lucidez, aproveitando que todos estavam distraídos com as filmagens, saiu de casa sem que ninguém percebesse e foi até o Centro, próximo do hotel onde ficara hospedada. Chegou na porta, mas não teve coragem de entrar. Preferiu antes procurar o Parque das Paixões. Andou lentamente em direção à rua em que dava para o local. Sim, tinha certeza de que ficava no final daquela rua. Sentiu certo temor ao se aproximar.
E se o local realmente não existisse? Se fosse delírio de sua mente? Talvez nem Renan fosse real. Pensou em desistir de conferir, mas criou coragem. Respirou fundo e seguiu em frente.
FIM
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E agora?
Narrativa bem realista! Parabéns! Apesar do fim tão triste!