O DOCE SABOR DA MIQUELINA: CAPÍTULO 3 – Refrigerantes Miquelina

Por: Jorge Eduardo Magalhães

Para cessar o escândalo da mãe, Ana Flor, morrendo de vergonha, voltou ao bar do Toninho para comprar os famigerados Refrigerantes Miquelina, mesmo estando fora da validade. O homem lhe vendeu as bebidas com um sorriso sarcástico no rosto, que claramente significava “Eu sabia que você voltaria”.

Sentia-se mal com toda aquela situação, tinha consciência de que precisava mudar sua vida, dar um basta naquilo tudo, mas não via saída, não conseguia enxergar uma luz no fim do túnel. Quando saía do trabalho, ficava quase duas horas andando sem rumo, em busca de uma solução para resolver a vida, mas faltavam-lhe ideias e, principalmente, coragem.

Não aguentava mais aquela família disfuncional, com sua mãe cada vez mais obesa e inerte, com aquelas pernas feridentas, sua irmã com a filha e o namorado, o dia inteiro, debaixo das cobertas e vendo TV, com uma preguiça patológica, e ela sendo obrigada a conviver no meio daquela imundície e rodeada de parasitas.

Sustentava a casa praticamente sozinha, pois o salário de servente aposentada de Dona Evarista e a pensão que o seu pai deixara não dava para nada. Quase todo o seu curto salário de professora primária era para sustentar seus familiares parasitas, que só comiam e dormiam.

De nada adiantava tentar fazer uma faxina na casa, pois era preciso se livrar dos gatos, dos cachorros e de todas as latas, garrafas e cartazes de propaganda dos Refrigerantes Miquelina, que a sua mãe vinha acumulando há anos. Saudades quando só tinham o Príncipe como animal de estimação. Toda vez que tentava limpar a casa, convencer sua mãe a doar os animais e a jogar fora aquelas quinquilharias, acabava desistindo, pois Dona Evarista fazia um escândalo, ameaçando até tirar a própria vida. Margarida, o namorado e Brenda nada faziam, continuavam assistindo televisão, só pedindo silêncio para não atrapalhar no entendimento da série a que assistiam.

Como Ana Flor odiava aquilo tudo, detestava, com todas as suas forças, aqueles Refrigerantes Miquelina e seu gosto exageradamente açucarado e enjoativo. Em parte, a bebida foi uma das responsáveis pela desgraça de sua família, a obesidade da mãe e suas pernas feridentas. Tinha a impressão de que os Refrigerantes Miquelina traziam uma terrível maldição.

Recordou-se de sua infância e parte da adolescência quando tudo era diferente, que sua família, de fato, era feliz. Apesar de praticamente nunca ter saído de Piedade, parecia que tinha vivido em um outro espaço e tempo. Outrora, no lugar do mato crescendo e plantas espinhentas, havia um belo jardim e, ao invés daquele forte odor nauseabundo, um delicioso perfume das flores. Naquele tempo, achava que tinha a melhor e mais feliz família do mundo. O que foi que aconteceu?

Suas recordações foram se desfazendo quando começava, já na esquina a sentir um mau cheiro; aproximava-se de sua casa. Já não achava tão insuportável como as demais pessoas, pois já estava acostumada. Como sempre, entrou no portão, com cuidado para não pisar nos cães, nos gatos e em seus dejetos.

Ao entrar na sala, percebera que a sua mãe estava inquieta no sofá e, com a respiração ofegante, nem prestava atenção em um dos Adilson Show, gravado em VHS, que ela assistia pela enésima vez e sempre fazia o mesmo comentário acerca da desenvoltura de Sandrinha Miquelina.

– Trouxe meus refrigerantes?

– Trouxe?

– Me dá.

– Não está muito gelado.

– Não tem problema! Eu bebo assim mesmo! Coloca aqui no copo! – disse de uma forma ríspida.

Dona Evarista estava trêmula. Parecia sentir abstinência da falta da bebida.

Virou o copo na boca e bebeu todo o líquido de uma só vez. A feição de saciedade em seu rosto era evidente. Ana Flor observava estática aquela cena sórdida e deprimente. Foi bebendo uma a uma as garrafas. Umas cinco de uma vez. Só parou, porque Ana Flor colocou o restante na velha geladeira.

– Quero mais.

– Mais tarde a senhora bebe mais, mamãe.

– Eu quero agora! – disse, quase aos berros.

– Mas mamãe…

– Pega para mim, sua vaca!

– Vamos falar mais baixo, queremos ver a série! – disse Margarida do quarto.

Ana Flor tentou manter a calma.

– Mamãe, todo o estoque do Miquelina acabou lá no bar do Toninho. Só chega na semana que vem. Se beber tudo, ficará a semana toda desabastecida.

A mãe olhou para ela desconfiada.

– Está bem, mas quero que você compre todo o estoque na semana que vem.

– Pode deixar.

– Agora pega a última garrafa para mim.

– Mas…

– Pega logo, anda.

Em silêncio, Ana Flor obedeceu, foi à cozinha. Abriu a geladeira e pegou uma garrafa de Guaraná Miquelina. Viu sobre a pia um frasco de chumbinho. Teve o impulso de colocar na bebida da mãe e nos restos de pizza fria, sobre o fogão, que o trio de parasitas, no quarto comeria no próximo episódio da série a que costumavam assistir. Chegou a pegar o frasco e quase colocar no copo.

Uma enorme dor de consciência surgiu em si. Com os olhos marejados, jogou no lixo o chumbinho, antes que caísse em tentação e, em um ato de desespero, fizesse uma loucura. Aquela estava longe de ser a melhor forma de se livrar de seu enorme e árduo fardo, que era a sua família disfuncional.

Levou o Guaraná para a mãe.

– Você é lerda até para pegar uma bebida.

– Desculpe, mamãe.

– Minhas filhas são umas lesmas. A Evilásia que deu sorte, que teve uma filha como a Sandra.

Ana Flor ficou observando a sua mãe, em um misto de dó e desprezo.

NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.

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One comment

  1. Avatar

    Que triste e deprimente quadro. Vamos torcer por um final feliz!

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