O DOCE SABOR DA MIQUELINA: CAPÍTULO 7 – Uma ponta de esperança

Por: Jorge Eduardo Magalhães

Em pouquíssimo tempo, outrora tão bem cuidada, a casa transformou-se em uma verdadeira imundície, ganhando, inclusive, a má fama em toda a vizinhança, pois do outro lado da rua já dava para se sentir o forte cheiro nauseabundo, que era uma mistura de maus odores.

Em qualquer tentativa de Ana Flor de arrumar e limpar a casa, logo vinha a oposição de Dona Evarista, pois tornara-se uma acumuladora compulsiva e não deixava que jogassem fora uma caixa de fósforos velha. Ao tentar jogar fora um pequeno frasco de esmalte vazio, Dona Evarista a retrucou com agressividade:

– Este foi o esmalte que a Sandrinha usou quando esteve aqui! É uma recordação da minha menina!

As coisas pioraram ainda mais depois que Seu Augusto saiu de casa, Margarida largou de vez os estudos, começou a se envolver com diversos homens em troca de benefícios, e Dona Evarista se tornou uma acumuladora compulsiva, levando tudo o que achava no lixo para casa. Além de objetos, também catava restos de comida nas lixeiras do bairro para dar aos animais. Andando pelas ruas, era sempre seguida por uma matilha em busca de alimentos.

Assim, a mulher tornou-se motivo de chacota na vizinhança e no ambiente de trabalho. Engordando cada vez mais, começou a ser conhecida como a “Gorda dos Cachorros”. O quintal de sua casa, cada vez mais, lotava de cães e gatos. Dona Evarista seguia mais relapsa e sem higiene em todos os sentidos ao mesmo tempo que Margarida ficava mais vulgar.

Ana Flor simplesmente andava na contramão de toda a derrocada e sordidez de seus familiares. Era, sem dúvida, um lume no meio de toda aquela devassidão. Era a única na família que ainda se envergonhava do estado deplorável em que a sua casa se encontrava.

Para tentar se esquecer da realidade que a cercava, entregava-se aos seus estudos, à leitura e aos seus escritos infantojuvenis; quase sempre tinha como personagem principal a Menina Florzinha. Ficava horas em seu quarto, imaginando as mais tenras histórias dedicadas ao público infantil.

Ela mesma cuidava de sua roupa, e seu uniforme de normalista era impecável, sendo a melhor aluna do colégio; mas a mãe não parecia estar nem aí, só vivia para sua centena de bichos de estimação e em ovacionar a família da irmã, que sustentava um marido parasita, o filho envolvido com más companhias e Sandra Isabel em uma suposta carreira artística, que ninguém sabia muito bem como funcionava.

Sem ter sucesso, Ana Flor ainda tentava ter atenção da mãe, mostrando as provas com notas altas e as medalhas que ganhava como premiação no colégio, sempre elogiada pelos professores e admirada pelos colegas. Quase sempre que queria lhe mostrar algo de positivo que conquistara, era sempre cortada com alguma suposta proeza que sua prima, Sandra Isabel, havia realizado.

– Tem gente que nasceu para brilhar! – dizia Dona Evarista, em um tom visivelmente sarcástico.

Sem motivo aparente ou justificável, a fascinação e obsessão de sua mãe pela família de sua Tia Evilásia se tornavam cada vez mais contundentes. Parecia viver em um constante transe, sem nada perceber do que estava à sua volta, balbuciando, de vez em quando, alguma coisa em relação à irmã, ao cunhado ou aos sobrinhos, rasgando elogios sem merecimento.

Seu pai quase não aparecia. Para a mãe e a irmã, era como se ele nunca tivesse existido. Ana Flor ainda ia, constantemente após o expediente, visitá-lo no quarto dos fundos da fábrica de açúcar em que ele trabalhava, ocasião em que estava quase sempre alcoolizado. Ela saía de lá prendendo o choro.

Às vezes, sozinha em seu quarto, folheava o antigo álbum de fotos de sua infância, ficava emocionada ao recordar dos tempos em que eram felizes, sua mãe ainda bonita, bem-vestida, seu pai bem asseado e Margarida, ainda com ar de inocência. As festividades de fim de ano, as festas juninas. Como sua família era linda, como sua casa era bem cuidada! Seus olhos marejavam ao contemplar aquelas lembranças. Havia algumas fotos com a Tia Evilásia e seus dois filhos no álbum.

Finalmente, chegou o dia de sua formatura. Falou com a mãe, mas ela não lhe deu atenção. Aguardou terminar o expediente na fábrica para ir até o quarto em que seu pai morava e convidá-lo para a formatura. Excepcionalmente, naquele dia, Seu Augusto não estava alcoolizado.

– Que surpresa, minha filha! – disse Seu Augusto, visivelmente emocionado, abraçando Ana flor.

– Pai, vim aqui porque queria convidá-lo para ir ao meu baile de formatura, no próximo sábado.

– Claro que vou, minha filha. Pode me aguardar lá porque, no baile te presentearei com um anel de professora.

Novamente se abraçaram emocionados.

– Como estão as coisas na tua casa?

– Minha mãe está cada vez pior, papai. A casa está imunda, a Margarida está irreconhecível.

– Que tristeza, filhinha.

Novamente se abraçaram e Ana Flor soluçava.

– Por que nossa família acabou, papai?

– Não sei, meu amor!

– Nossa família era tão unida, tão bonita. O que foi que deu errado?

– Nem eu sei explicar.

– Deve haver algum motivo!

– Não sei minha filha! Sinceramente!

– Volta para a casa, papai! Traz a nossa família de volta.

– Queria muito isso, Florzinha!

Ficaram abraçados durante alguns instantes. Seu Augusto respirou fundo e tentou reanimar a filha.

– Mas vamos falar de coisas boas.

– Tem razão, papai.

– Você está se formando, eu parei de beber e, de agora em diante, tudo vai ser diferente.

– Quero fazer Pedagogia.

– E vai fazer, vai ser formar. Tenho muito orgulho de você! Você é diferente. Vai longe!

Conversaram durante algum tempo. Seu Augusto parecia outra pessoa. Estava até mais forte e mais corado. Falava com uma sobriedade que não via há bastante tempo. Ana Flor começou a recuperar as esperanças de que, muito em breve, tudo se normalizaria e que a vida voltaria a ser como antes.

No curto caminho para sua casa, foi visualizando seu futuro, formada na universidade ali mesmo do bairro, seu pai voltando para casa, sua mãe recuperada e Margarida retornando aos estudos. Se formaria em Pedagogia e se tornaria uma famosa escritora de livros infantis. Teria sua casa, com um marido maravilhoso e lindos filhos. Tudo seria perfeito!

– Você está lindo, papai!

– Tem quase uma semana que não bebo.

– Que notícia ótima!

– De agora em diante, tomarei juízo.

– Quero nossa família de volta!

– Tentarei, minha filha! Eu juro!

Foi para casa, feliz da vida, acreditando em uma vida nova.

Ao chegar em casa, sua mãe a olhou ainda com mais desprezo do que das outras vezes. A casa estava cada vez mais suja e Margarida mais vulgar. Sua prima Sandra Isabel estava lá para avisar que seu pai havia fugido do conjunto habitacional por causa de uma dívida de jogo.

NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.

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3 Comentários

  1. Avatar
    Luciana Marino Nascimento

    Jedu é o refrigerante? Estou aguardando ansiosamente para saber qual será o segredo do refrigerante Miquelina!

  2. Avatar
    ALVIMAR DO NASCIMENTO

    Aguardo o próximo

  3. Avatar

    Cada vez mais tenso…. Será algum feitiço?

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