Por: Jorge Eduardo Magalhães
Depois do choro de Sandra Isabel, aconteceu o previsto: sua mãe pegou quase todo o seu salário e deu-o à sua irmã pagar a dívida de jogo do cunhado.
– Mas mãe, este dinheiro é para pagar nossas contas.
– Você puxou o teu pai! É uma egoísta! – dizia Dona Evarista, entre os dentes.
– Mas, mamãe!
– Ele é marido da minha irmã! Pai dos meus sobrinhos! Você só sabe pensar em você!
Ana Flor não conseguia mais ter aquela alegria da infância ao ver a sua prima, que regulava a sua idade. Ainda criança, não percebia o bizarro fascínio que a família da tia exercia sobre sua mãe. Não conseguia associar o motivo pelo qual Dona Evarista ficava em transe na presença de Tia Evilásia e dos seus. Agora associava o estado de sua mãe com a existência de tais parentes, embora não conseguisse entender realmente o porquê.
Pediu licença para a prima, e se retirou para preparar suas coisas. Do quarto, ouvia o diálogo da mãe com a prima.
– E então, Sandrinha! Como está a carreira artística?
– Está indo bem. Às vezes faço alguns bicos como dançarina.
– Que maravilha!
– Fui convidada para ser dançarina de um programa de TV.
– Nossa! Que máximo! – dizia Dona Evarista, fascinada.
– Mas não sei se vou aceitar.
– Aceita, boba. Não perca essa oportunidade!
– Ainda estou estudando as propostas.
– Você realmente tem muito talento. Aliás, você e o Carlinhos são muito espertos, não é igual às molengas daqui de casa.
Sandra Isabel tinha consciência da obsessão de sua tia por ela e sua família, e usava isso para conseguir vantagens. Dona Evarista ficava encantada com a suposta carreira artística da sobrinha, que não sabia ao certo se era atriz, dançarina ou “artista”: era simplesmente um eufemismo para outras atividades.
Chegou o dia da formatura e Ana Flor acordou animada. Falou com a mãe sobre o baile, mas, entre os dentes, disse que não iria. Na verdade, já esperava. Sabia que Dona Evarista não tinha condições de a representar no baile de formatura, nem mesmo sua irmã, que parecia mais uma fêmea mirim.
Sua mãe estava na sala com Margarida que, excepcionalmente, parou em casa em um sábado.
– Hoje é minha formatura.
– Legal… – disse Margarida.
– Se vocês quiserem me acompanhar… – disse sem muita convicção.
– Tenho baile mais tarde. – disse Margarida.
Parecendo não dar ouvidos, Dona Evarista deu um sorriso e suspirou, com seu olhar vazio:
– A Sandrinha foi chamada para ser dançarina em um programa de televisão. Aquela menina vai longe!
Percebendo não ter adesão nem da mãe e nem de sua irmã, o que já era esperado, deu um sorriso e se retirou. Sua família estava perdida, mas ainda tinha esperança de que tudo voltasse como era antes. Seu pai havia parado de beber e acreditava que sua mãe pudesse ser como antes.
Apesar de tudo, estava feliz com mais uma etapa em sua vida. Aquela noite seria o seu baile de formatura. Pegou algumas economias que havia juntado e foi para o salão fazer o cabelo e uma maquiagem. Queria estar bem bonita para dançar a valsa com seu pai.
Havia combinado de encontrar seu pai no salão do colégio, onde seria a formatura. Chegou cedo. Estava apreensiva. Aos poucos, o espaço foi lotando, e as famílias chegando. Seu pai estava atrasado. Começou a ficar preocupada, mas tinha fé de que apareceria conforme havia prometido.
Iniciou-se o cerimonial. Os professores formaram a mesa, e chamaram uma a uma das formandas, que recebiam o canudo e o anel de professora de seus respectivos padrinhos. Começou a ficar tensa. O seu pai precisava chegar, estava chegando a hora de sua turma ser condecorada.
Finalmente, chamaram o seu nome. Olhou para os lados e não viu seu pai. Novamente, o orador chamou seu nome. Vendo que não tinha jeito, dirigiu-se à mesa, composta por professores e diretores. Não havia ninguém para condecorá-la, e recebeu de um dos professores o canudo. Esforçou-se para prender o choro.
Na hora da valsa, parecia perdida no meio do salão, entre os pais e padrinhos que dançavam com as formandas. Ana Flor ainda olhou para os lados para ver se seu pai aparecia. Nem sinal de Seu Augusto. Começou a sentir uma vertigem enquanto as outras normalistas rodopiavam como seus respectivos pares pelo salão. Sua vista escureceu e não viu mais nada.
Acordou no gabinete da direção, com alguns professores e colegas de turma à sua volta. Perguntaram se ela estava bem. Levantou-se, repleta de vergonha. Um dos professores ofereceu-se para levá-la a um hospital. Ana Flor agradeceu, e disse que não havia necessidade.
Saiu da festa, de forma quase imperceptível. Prendeu o choro no caminho de volta. O que havia acontecido com seu pai? Antes de voltar para casa, resolveu dar uma passada no quarto onde ele vivia para saber se estava bem, afinal de contas, havia prometido ir à sua formatura.
Chegou à porta do quarto onde Seu Augusto morava, nos fundos da fábrica. A porta estava encostada. Entrou. Seu pai estava adormecido, bem-vestido, com o anel de professora sobre a barriga. Dormia um sono profundo.
– Papai! – chamava Ana Flor, sacudindo-o.
Foi difícil acordá-lo. Finalmente despertou como em um rompante.
– Filha! Que horas são? – perguntou, pulando da cama.
– Quase meia-noite.
Seu Augusto respirou fundo.
– Meu Deus! Perdi as horas! Acabei dormindo.
– Você voltou a beber, papai?
– Só bebi umas cervejinhas, deitei-me para descansar um pouco e perdi a hora.
– Você prometeu, papai!
– Desculpe, minha filha!
Abraçaram-se chorando.
– Foi horrível, papai!
– Não sei nem o que lhe dizer.
– Não diz nada.
– Teu anel de professora – entregou-lhe o anel, com os olhos marejados.
– Obrigada.
Abraçaram-se novamente.
– Juro que não bebo nunca mais, minha filha.
– Quantas vezes você me prometeu isso…
– Mas desta vez cumprirei.
Prendendo o choro, Ana Flor se despediu do pai e foi para casa.
Ao entrar em casa, parecia que o cheiro estava ainda pior. Dona Evarista, com os olhos fixos na TV:
– Fiquei sabendo que você deu faniquito na formatura. Você só faz vergonha.
Dona Evarista já sabia do acontecido. Ana Flor nada respondeu. Foi para o quarto chorar.
Seu pai não parou de beber, tiveram a luz e a água cortadas por falta de pagamento. Pela enésima vez, Sandra Isabel não havia devolvido o dinheiro emprestado por Dona Evarista.
NÃO PERCAM O CAPÍTULO DE AMANHÃ.
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SEU AUGUSTO NÃO ESTÁ BEM.
Essa menina tem muita paciência.
Nossa, coitada dessa moça!
Que batalha dessa jovem.