Rio – As obras de valorização do Cais do Valongo, no Porto Maravilha foram concluídas e entregues nesta quinta-feira (23/11). Declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 2017 e reconhecido como principal cais de desembarque de escravizados do continente, o Valongo foi redescoberto durante as obras da Prefeitura do Rio de revitalização da Região Portuária em 2011. Na época, o município investiu mais de R$ 8 bilhões na região portuária, sendo mais de R$ 30 milhões no Cais do Valongo.
Nesta fase atual de intervenções, o espaço recebeu um novo guarda-corpo, iluminação cênica, sinalização informativa no padrão mundial da Unesco e a exposição artística “Valongo, Cais de Ancestralidades” que conta a história do sítio arqueológico e sua relação com o território da Pequena África.
– Celebramos aqui um momento de consolidação do Cais do Valongo. Essa história começou a ser descoberta há 10 anos e a gente vê agora a transformação desse espaço. Valeu a pena apostar no projeto, pago com Certificados de Potencial Construtivo (Cepacs). Meu agradecimento a toda estrutura do Estado brasileiro: os governos federal e municipal. A Prefeitura vai continuar pagando a conta da manutenção daqui, cuidando do Jardim do Valongo e fazendo com que essa área possa avançar sempre – afirmou o prefeito Eduardo Paes ao participar da entrega das obras.
Movimentos negros
Foram seis meses de obras após amplo processo participativo sobre as intervenções com a população local e os movimentos negros da região. O trabalho é uma parceria entre a Prefeitura do Rio, Iphan e Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG). O IDG foi o responsável pela captação dos recursos e execução das obras do guarda-corpo, produção da nova sinalização e instalação da exposição artística com curadoria de Ynaê Lopes dos Santos, historiadora especialista na História da Escravidão e das Relações Raciais nas Américas.
Já a nova iluminação do sítio histórico foi implementada pela Rioluz, da Prefeitura do Rio, via contrato de parceria público privada (PPP) de iluminação com o consórcio Smart Luz. A nova iluminação pública especial poderá, por exemplo, aplicar cores no Cais em dias comemorativos ou em prol de causas sociais e culturais.
– Ao assumirmos essa gestão, colocamos como prioridade que o patrimônio cultural de matriz africana seria de fato o primeiro elemento que nós recuperaríamos com a aplicação do nosso orçamento. Estamos trabalhando para que a cultura de matriz africana seja valorizada como uma estratégia também de combate ao racismo e à desigualdade racial nesse país -destacou o presidente do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass.
Esta é a segunda fase de intervenções, com investimento de R$ 2 milhões, em parceria com a empresa chinesa de energia elétrica State Grid Brazil Holding, via programa de financiamento do BNDES. A primeira fase das intervenções foi finalizada em 2019 em parceria com a Embaixada dos Estados Unidos, com investimento de outros R$ 2 milhões. Na época, o escopo contava com pesquisa arqueológica e obras de conservação e consolidação da estrutura do Cais.
– Hoje é um dia muito importante para o IDG. Conseguimos juntar um grupo de parceiros, como o State Grid, o Consulado Americano e o Iphan, para dar todo o respaldo técnico ao trabalho e poder cumprir essas duas etapas: primeiro foram as obras civis de consolidação da ruína e a conversa sobre educação patrimonial com todo o território; e agora fazendo a melhoria da infraestrutura com esse guarda-corpo, a nova iluminação e toda a sinalização com padrão de patrimônio mundial da Unesco – explicou o presidente do IDG, Ricardo Piquet.
O evento de inauguração contou também com a presença do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloízio Mercadante; da cônsul geral dos Estados Unidos, Jacqueline Ward; da coordenadora cultural da Unesco no Brasil, Isabel de Paula; do cônsul comercial da China, Yuan Sheng Xu; do secretário municipal de Cultura, Marcelo Calero; e do presidente da CCPar, Gustavo Guerrante, entre outras autoridades, além de representantes de instituições da Pequena África.
Sítio arqueológico
O Cais do Valongo é um sítio arqueológico dos vestígios do antigo cais de pedra construído pela Intendência Geral de Polícia da Corte do Rio de Janeiro para o desembarque no Rio de Janeiro de pessoas trazidas do continente africano para serem escravizadas nas Américas a partir de 1811. Em julho de 2017 foi reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O objetivo do cais era retirar da Rua Direita, atual Primeiro de Março, o desembarque e o comércio das pessoas, que eram tratadas como mercadoria. Assim, o Valongo se tornou a principal porta de entrada de escravizados do Brasil e do continente. Eles acabavam desempenhando trabalho forçado nas plantações de café, fumo e açúcar do interior e de outras regiões do Brasil. Os que ficavam geralmente terminavam como escravizados domésticos ou usados como força de trabalho nas obras públicas. A vinda da família real portuguesa para o Brasil e a intensificação da cafeicultura ampliaram consideravelmente o tráfico.
Em 1831, com a proibição do tráfico transatlântico por pressão da Inglaterra, o Valongo foi oficialmente fechado. Porém a ordem foi ignorada e daí surge a expressão irônica “para inglês ver”. Entre a construção do cais e a proibição do tráfico, estima-se que ingressaram no país entre 500 mil e um milhão de pessoas de diversas nações africanas, em sua maioria, do Congo e Angola.
O Rio de Janeiro, em quase quatro séculos de escravidão, recebeu sozinho cerca de 20% de todos os africanos escravizados que chegaram vivos às Américas. Isso faz da cidade e do Cais do Valongo referência do que foi a maior transferência forçada de população na história da humanidade.
Ao longo dos anos, o Cais sofreu sucessivas transformações. Uma das principais foi em 1843, quando foi remodelado para receber a Princesa das Duas Sicílias, Teresa Cristina Maria de Bourbon, noiva do Imperador D. Pedro II, passando a se chamar Cais da Imperatriz. Com as reformas urbanísticas da cidade no início do século XX, o local foi aterrado em 1911.
Desde 2012, quando foi entregue à população como sítio arqueológico para visitação, um ritual se repete todos os anos nas pedras do Cais no mês de julho. Sacerdotisas de religiões de matriz africana – mães de santo, como são conhecidas – conduzem um ritual de limpeza, purificação e homenagem aos espíritos dos ancestrais que passaram como cativos pelo local. Cantos religiosos, água de cheiro, flores e votos de amor e paz ocupam o Cais do Valongo nesta ocasião.
Em 2012, a Prefeitura do Rio aceitou a sugestão do Movimento em Defesa do Direito do Negro e transformou o espaço em monumento preservado e aberto à visitação pública. O Cais do Valongo passou a integrar o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, que estabelece marcos da cultura afro-brasileira na Região Portuária, ao lado do Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Pedra do Sal, Centro Cultural José Bonifácio e Cemitério dos Pretos Novos.
Com assessoria
Wagner Sales – Editor de Conteúdo