São Paulo (SP) – Um voo com muitas histórias de esperança e alívio. De felicidade e emoção pela chegada ao Brasil após deixar para trás o som de aviões militares e de sirenes, além dos estrondos e tremores causados por bombas. “Parece que saí do inferno e entrei no paraíso”, definiu Salim Calaun, um dos 229 passageiros resgatados no primeiro voo da Operação Raízes do Cedro. Na chegada, uma recepção articulada por diversas áreas do Governo Federal e a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Base Aérea de São Paulo.
“Espero que vocês encontrem no Brasil a felicidade que tiraram de vocês com esse bombardeio. E que a gente possa reconstruir a nossa vida em paz aqui no Brasil. Vocês sabem que o Brasil tem por volta de oito ou nove milhões de árabes e descendentes, a maioria libaneses. Somos agradecidos, porque vocês ajudaram a construir a cidade de São Paulo, o estado de São Paulo e o Brasil. Vocês têm muita responsabilidade por aquilo que somos”, ressaltou Lula, ao dirigir-se aos repatriados e à imprensa.
“O Brasil é generoso. Não tem contencioso com nenhum país porque a gente não deseja guerra. A guerra só destrói. Quando não perde a vida, perde escola, hospital, médico, uma série de coisas que trazem tranquilidade para a gente. O que constrói é a paz”, completou o presidente.
Apoio
Cônsul Geral do Líbano em São Paulo, Rudy El Azzi agradeceu a ação brasileira não apenas na missão Raízes do Cedro, mas por todo o apoio dado ao país. “Em nome do povo do Líbano, da comunidade libanesa no Brasil, quero agradecer o presidente Lula e o governo brasileiro. Precisamos do apoio do Brasil e do mundo. Dizem que o Brasil é gigante pela própria natureza. É gigante também pelo coração e acolhimento”, disse.
Após a primeira missão da Operação Raízes do Cedro ter sido concluída, o comandante da Aeronáutica, Marcelo Kanitz Damasceno, revelou que a segunda missão começaria já neste domingo. “Essa aeronave (o KC-30 da FAB) agora decola de volta para Lisboa, trocando a tripulação, para que amanhã (7/10) possamos fazer o mesmo circuito e possamos, em 48 horas, trazer mais 230 pessoas. Temos de tentar colocar aqui na base aérea de São Paulo cerca de 500 pessoas por semana”. A comunidade brasileira no Líbano tem cerca de 20 mil pessoas. Três mil manifestaram interesse em retornar.
A esposa e as duas filhas de Abdalah Fares foram as primeiros a desembarcar. Bandeira do Líbano na mão e camisa com as bandeiras do Líbano e do Brasil, as três protagonizaram o momento simbólico de amizade entre as nações e foram abraçadas por Abdalah, que esperava ao pé da escada. “Queria agradecer mais uma vez ao governo por trazer minha família de volta ao Brasil sãos e salvos”, declarou Abdalah. “Estou muito triste pelas pessoas que ainda estão no Líbano, que ainda não foram resgatadas”, disse completou Lara Fares, 13 anos. “As escolas estão ocupadas, muita gente deslocada nessa guerra, gente que não tem nada a ver com o Hezbollah, completou o pai.
Também presente à recepção, a primeira-dama, Janja, fez uma saudação especial às mulheres e crianças recém-chegadas ao Brasil. “Queria deixar aqui o meu carinho especial a todas as mulheres e as crianças que hoje chegam ao Brasil e dizer que o nosso coração está com as mulheres e as crianças que ficaram lá. E dizer novamente uma mensagem para os homens do mundo: por favor, parem de matar nossas mulheres e crianças, parem com essa guerra. O mundo precisa de paz”, afirmou Janja.
Casada com um libanês, Sandra Joane Maffei, 59 anos, estava no Líbano desde março com o marido e o filho dele e demonstrou enorme alívio na chegada. “É a maior alegria do mundo, porque viver em um país em guerra, que a gente não pode sair, que a qualquer momento é bombardeado um carro, um prédio perto de onde a gente morava, é terrível, né? A gente não dorme. Tem barulho todas as noites, de avião, bomba, estremece a janela. É uma felicidade (retornar ao Brasil). Ainda mais eu que sou brasileira, né?”.
BOMBARDEIO E PET
Aos 28 anos, a tradutora Nessryn Khalaf desembarcou em Guarulhos ao lado da mãe, da irmã e de sua gata, Lili, um dos três pets trazidos neste primeiro voo. “Essa era a nossa única esperança, porque a gente não tinha como sair do Líbano. Eu sou muito grata ao governo e ao fato de o presidente realmente ver o que está acontecendo no Líbano. Precisamos que mais países façam a mesma coisa, porque muitas brasileiras continuam no Líbano, em situação de rua, algumas grávidas, com crianças pequenas, e espero que o governo continue com essa missão”, lembrou Nessryn. Infelizmente, ela teve que deixar o pai e a avó em Beirute. “Quando a gente fugiu era eu e a minha família, todo mundo que estava em casa. Mas para o Brasil viemos só eu, minha mãe e minha irmã. O meu pai teve que ficar porque ele cuida da minha avó que é doente. Seria impossível, porque ela já está no hospital, não anda mais, e teria que ser evacuada com ambulância, né? E isso é impossível no momento”.
Na tripulação do KC-30 veio uma equipe multidisciplinar com três médicos, dois enfermeiros e dois psicólogos para garantir acolhimento e assistência. E, quando o avião tocou a pista da Base Aérea de Guarulhos, os brasileiros já tinham à disposição um receptivo do Governo Federal. Um grupo de 35 profissionais ligados aos ministérios da Justiça e Segurança Pública, da Saúde, dos Direitos Humanos, das Relações Exteriores e do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome estava a postos.
Servidores da Polícia Federal, da Anvisa e da Receita Federal foram designados para facilitar o processo de imigração. Para prestar atendimentos emergenciais e atualizar cadernos de vacinação, foram destacados 15 integrantes da Força Nacional do SUS. Todos foram treinados no acolhimento sobre questões éticas, culturais e como é o comportamento para receber repatriados do Líbano.
“Tem atendimento de urgência e emergência, de acolhimento, para ver os primeiros sinais e sintomas de algum agravo, de alguma doença crônica agudizada. E tem os primeiros cuidados psicológicos, fazer a abordagem para ver se o que eles estão sentindo está esperado dentro da normalidade, ou se é há alguma intervenção que precisamos fazer”, explicou Renato Oliveira Santos, ponto focal da missão de campo da Força Nacional do SUS. “É importante dizer que as equipes foram divididas entre homens e mulheres que falam português, árabe ou francês. São equipes mistas para a gente conseguir ter uma comunicação fluida”, completou Debora Noal, ponto focal de saúde mental e atenção psicossocial da Força Nacional do SUS.
Uma força-tarefa entre MRE e Justiça indicou locais de estadia e orientações sobre locomoção dentro do território nacional. O Ministério do Desenvolvimento Social escalou um time de assistentes sociais para casos em que a família não tenha mais vínculos definidos no Brasil. A pasta atua numa política de abrigamento e avalia situações de vulnerabilidade para agilizar acesso ao Cadastro Único e a programas como o Bolsa Família.
MIGRAÇÕES
Além das equipes das frentes ministeriais, os repatriados terão acompanhamento da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Agência da ONU para Migrações. A OIM, em conjunto com o MDS, fará entrevistas para avaliar necessidades de proteção e documentação.
As ações de repatriação e recepção são similares às realizadas pelo Governo Federal em outubro de 2023, na Operação Voltando em Paz, que repatriou mais de 1.500 brasileiros e mais de 50 pets das zonas de conflito na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e em Israel.
O Ministério da Agricultura e Pecuária manteve a flexibilização de regras para entrada de cães e gatos. As diretrizes facilitam o ingresso desses animais no Brasil. As unidades da Vigilância Agropecuária Internacional, em conjunto com a Coordenação de Trânsito e Integração Nacional de Cargas e Passageiros, passam a adotar protocolo especial para animais de estimação provenientes do Oriente Médio. O procedimento permite que tutores ingressem com os pets sem a apresentação imediata de documentos exigidos em condições normais.
O KC-30 usado neste primeiro voo de repatriação é um avião com cerca de 240 lugares, autonomia para até 14.500 quilômetros e foi utilizado várias vezes nos voos humanitários de resgate de brasileiros nas zonas de conflito em Israel e em Gaza desde o início da crise Oriente Médio. Com 59 metros de comprimento, é o maior avião operado pela FAB. Tem capacidade de uso em operações estratégicas, apoio logístico e missões humanitárias. Em casos de calamidade, como desastres naturais ou emergências médicas, também pode realizar missões de retirada Aeromédica para múltiplos pacientes.
A Operação Raízes do Cedro foi determinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir do acirramento do confronto entre Israel e o grupo Hezbollah, que atua no Líbano. A logística de repatriação envolve o uso de aviões e de servidores da Força Aérea Brasileira e um intenso trabalho de articulação do Itamaraty. O ministro Mauro Vieira mantém conversas frequentes com os chanceleres do Líbano e de países vizinhos com o objetivo de organizar o resgate com segurança.
Com informações de assessoria
Wagner Sales – Editor de conteúdo