As práticas de violência contra mulheres e adolescentes privadas de liberdade ocorrem em praticamente todas as unidades prisionais fluminenses. Foto: Wikipedia.

Sistema prisional fluminense é denunciado por tortura e maus tratos

Rio – O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania tem 30 dias, para se manifestar em relação aos episódios de violação de direitos humanos verificados nos estabelecimentos penais do Estado do Rio de Janeiro. Também foi requerido ao Ministério da Saúde que avalie, por meio da Secretaria Nacional de Políticas Penais, se o estado tem cumprido a política de atenção à saúde no sistema prisional, especialmente em relação às mulheres.

Os pedidos de esclarecimentos foram feitos pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC/RJ), após analisar relatórios elaborados pelo Grupo de Monitoramento do Sistema Carcerário da Justiça Federal do Rio de Janeiro e do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT/RJ). Os documentos apontam para um cenário generalizado de tortura, maus tratos, falta de higiene e atendimento médico adequado, além de violência física, sexual e psicológica.

Denúncias contra agentes do Setor de Operações Especiais

O relatório do MEPCT/RJ aponta que, em março de 2023, havia 1.415 mulheres presas no sistema fluminense. O documento registra um grande número de denúncias contra agentes do Setor de Operações Especiais (SOE). Há relatos de agressões verbais e físicas a grávidas algemadas na parte de trás de carros de transporte de presos, percorrendo grandes distâncias sem água e alimentação. As gestantes sob custódia relatam sangramentos após as conduções, com denúncia de agressões por agentes durante os partos realizados na Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

A apuração constatou que as práticas de violência contra mulheres e adolescentes privadas de liberdade ocorrem em praticamente todas as unidades prisionais. Em algumas, há relatos de racismo e transfobia, com uso de spray de pimenta e xingamentos. Há ainda casos de automutilação de adolescentes e estupros sistemáticos por um agente para liberar o uso de celular dentro da unidade e fornecer lanches.

Muitas mulheres também denunciam a falta de notícias de filhos e familiares, causando prejuízo ao marco da primeira infância. Travestis e pessoas trans recebem tratamento humilhante, sendo obrigadas a permanecerem nuas na frente de homens, além de não receberem acompanhamento endocrinológico para uso de hormônios levados pela família, com receita médica.

O relatório destaca a morte de duas detentas por atendimento precário: uma com 35 anos, hipertensa e quadro de desnutrição. A saúde foi progressivamente debilitada por falta de atendimento, vindo a falecer de covid durante internação. Outro caso é de uma presa que morreu em um incêndio, supostamente provocado por ela. Com queimaduras graves e intoxicação por fumaça, não recebeu atendimento a tempo na UPA.

Julgamento de habeas corpus

A apuração do MPF surgiu a partir de julgamento, pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), de habeas corpus em que uma mulher, presa em 2021, obteve a substituição da pena de prisão preventiva por medidas cautelares alternativas, em razão da falta de atendimento médico adequado no sistema penitenciário fluminense.

Conforme consta nos autos, a detenta sofria de dores constantes e foi encaminhada à Secretaria Estadual de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (Seap) para exames, mas teve o pedido inicialmente negado, tendo que recorrer à Justiça para obter atendimento. Testemunhas confirmaram que a mulher apresentava estado de saúde degradante e não recebeu medicação, além de sofrer maus-tratos na UPA e ser ameaçada por um agente do SOE.

Em razão da gravidade dos fatos e atendendo à solicitação do TRF2, o MPF iniciou investigação para conhecer a situação do atendimento à saúde de presos no Rio de Janeiro. Durante todo o ano de 2022, o órgão solicitou informações à Seap quanto aos protocolos de atendimento, demanda, tempo de espera, meios de transporte, alimentação e acompanhamento de saúde nas unidades de atendimento prisionais, em especial da mulher sob custódia. Também foram considerados os relatórios do MEPCT/RJ e das inspeções ordinárias realizadas pelo Ministério Público.

Diversos casos sobre a realidade do sistema prisional brasileiro, inclusive no Rio de Janeiro, já tramitaram na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O objetivo do procedimento do MPF é a concretização dos direitos dos presos e presas para prevenir a responsabilidade internacional do Brasil.

Com informações do MPF

Wagner Sales – Editor de conteúdo

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