Quando se fala em carnaval, muitos imaginam enredos brilhantes, desfiles grandiosos e a alegria contagiante que toma conta das ruas. Mas, por trás da folia, existe uma história rica e complexa, que remonta ao entrudo, uma brincadeira carnavalesca que nasceu nas mãos dos escravos africanos no Brasil. Era uma festa de liberdade e expressão, onde a sujeira e a provocação eram as regras do jogo.
No entrudo, os escravos saíam às ruas com os rostos pintados, uma forma de se libertar das amarras do dia a dia e se entregar à folia. Água, farinha, lama e até mesmo urina eram armas de diversão. Os rostos dos brancos eram cobertos com graxa, enquanto os negros recebiam talco. O barro se transformava em confete, e a alegria se espalhava com ovos, papéis e laranjas lançados ao ar. Era uma verdadeira batalha de risadas e travessuras, onde o que importava era a celebração da vida.
Mas a sociedade que via o carnaval como uma ameaça à ordem ficou alarmada. Em 1841, o entrudo foi proibido, classificado como um festejo grosseiro e incivilizado. Contudo, a proibição não apagou a essência da festa. O carnaval seguiu seu curso, adaptando-se e se reinventando, mantendo viva a chama da resistência cultural. O que antes era apenas uma brincadeira de escravos tornou-se parte fundamental da identidade brasileira.
A influência da cultura negra no carnaval é inegável. As canções das senhoras negras vestidas de branco, com suas vozes potentes, deram origem às baianas, figuras icônicas que hoje desfilam com graça e tradição. Os blocos que emergiram nos subúrbios, na virada do século passado, trouxeram a essência do povo para as ruas, criando raízes que se transformaram em grandes escolas de samba, como a Estação Primeira de Mangueira, que carrega em seu coração a batida da resistência e a história do povo.
Na década de 1950, a temática negra começou a ganhar destaque nas escolas de samba, como o Salgueiro, que se tornou um verdadeiro palco para contar a história da cultura afro-brasileira. A cada desfile, a riqueza da tradição, dos ritmos e das cores se funde em uma explosão de emoção, homenageando aqueles que, mesmo sob opressão, encontraram na música e na dança uma forma de resiliência.
Assim, quando o carnaval se aproxima, é importante lembrar que “vai quem quer”, mas a festa é feita por todos. É uma celebração da diversidade, da resistência e da alegria que brota do povo. As raízes do entrudo, mesmo que escondidas sob a camada de purpurina e brilho, ainda reverberam nas avenidas, lembrando-nos que a cultura negra é parte fundamental da identidade brasileira.
O carnaval é um tempo de liberdade, onde a sujeira se transforma em arte e a luta se transforma em alegria. E, por trás de cada confete e serpentina, existe uma história que merece ser contada e celebrada. Afinal, no coração do carnaval, pulsa a força de um povo que nunca deixou de lutar e que, a cada festa, reafirma sua presença e sua voz.
Denilson Costa