CONFISSÕES DE UM ADULADOR: Capítulo 12

Por: Jorge Eduardo Magalhães

Não dormi a noite inteira pensando no que poderia estar acontecendo na casa de minha amada. Virava de um lado para outro da cama dura de meu pequeno quarto abafado imaginando aquele porco imundo gemendo, suado de prazer com minha amada. Coitadinha! Devia estar fazendo um enorme esforço para fingir sentir prazer com aquele velho. Não conseguia deixar de imaginar a cena sórdida que se passava naquele apartamento, o doutor Otávio nu, suado, gemendo em cima da minha amada e ela, coitada, obrigada a fingir estar gostando, mas na verdade, prendendo o choro. Aquela era a última vez que ele tocava nela, o seu fim estava próximo. Com certeza aquela seria a última noite de prazer do doutor Otávio e de tormento para minha amada.

No dia seguinte, conforme o combinado, fui ao apartamento dela, tinha visto o doutor saindo da empresa para o aeroporto. Ela me recebeu com o ar triste de sempre. Estava visivelmente tensa e deprimida. Pediu para que eu me sentasse ao seu lado. Abraçou-me e começou a chorar dizendo que não aguentava mais aquela vida a se submeter aos caprichos daquele velho, sentia nojo dele. Prometi que em breve ela estaria livre daquele pesadelo, só ainda não sabia como. Ela apertou forte as minhas mãos, olhou nos meus olhos e disse que só eu podia salvá-la e tinha a solução em suas mãos. Levantou-se foi para a cozinha e voltou com um pequeno frasco nas mãos. Disse que ali estava a solução. Pedi que me explicasse o que estava acontecendo. Minha amada contou que tinha descoberto que o doutor Otávio havia feito um seguro de vida para ela em segredo, mas que ela acabara descobrindo, não me detalhou como. Novamente encheu os olhos d’água dizendo que não aguentava mais aquela vida, mas não queria voltar a viver na miséria. Aquele porco imundo tem que morrer, gritou, descontrolada. Mostrou-me o frasco e revelou que ali continha um veneno que matava sem deixar pistas, qualquer médico legista diagnosticaria parada cardíaca. Um crime perfeito. Sabia que era eu quem servia café para o doutor Otávio. Era só colocar cinco gotas na xícara que era o suficiente para dar fim ao seu martírio e sofrimento e ainda ficaríamos com o dinheiro do seguro. Odiava o doutor Otávio. Fiquei imaginando como seria minha vida ao lado daquela mulher, que tanto amava, livre de todas as humilhações, o meu apartamento em um condomínio classe média.  Fiquei um pouco receoso por ele ser pai e genro dos meus grandes amigos. Não, daria um fim àquele miserável, estava até fazendo um favor ao Ricardo de livrá-lo de um pai como aquele. De repente ele até me promoveria e daria o cargo que eu realmente merecia. Sim, tinha certeza de que era o doutor Otávio que não deixava o Ricardo me dar minha merecida promoção. Tudo estaria resolvido com a morte daquele crápula.

Respirei fundo e peguei o frasco guardando entre minhas coisas. Disse que, assim que ele voltasse de viagem, colocaria o veneno em seu café. Estava decidido a dar um fim àquele tormento.

Segurei forte as suas mãos e olhei em seus olhos. Ficamos um tempo assim calados e um silêncio tomou conta de nós. Meu coração bateu mais forte. Comecei a tremer. Ela deu um sorriso lindo perguntando o que estava acontecendo. Respirei fundo e disse que a amava demais, seus olhos brilharam e ficamos calados por mais alguns instantes. Fui me aproximando dela e, quando fui lhe dar um beijo, ela me afastou, disse que não era a hora e que ainda não estava preparada para se entregar a mim. “Não aguento mais ficar longe de você”, disse. “Faça o que tem de ser feito e depois conversamos”, respondeu me acariciando com ternura.

Ainda meio zonzo, levantei-me, nos despedimos e saí.

Andei perdido pelas ruas. Será que teria coragem de fazer aquilo? Nunca tinha feito mal a ninguém, sentia um enorme remorso. Era amigo de Ricardo e Bianca. Eles me adoravam, eram umas das pessoas mais importantes para mim. Não, não poderia ficar pensando em ninguém, tinha que pensar em mim e no meu grande amor. Não há sofrimento, não há mal que não vá embora com o tempo. Ficariam tristes nos primeiros dias, nas primeiras semanas, depois se acostumariam com a ideia da perda e viveriam suas vidas felizes para sempre. Precisava pensar no lado bom das coisas, Ricardo assumiria a Torres Leal, com certeza seria mais justo e mais humano com os funcionários da empresa do que seu pai e livraria a sociedade de um grande canalha, conseguiria a tão sonhada promoção, sempre embargada pelo crápula do doutor Otávio e viveria feliz ao lado de minha amada no meu apartamento classe média.

Fui andando com esses pensamentos pelas ruas nos arredores do bairro onde morava minha amada. Tinha medo de ser descoberto e ir para a cadeia. Não, não seria descoberto. No óbito viria como parada cardíaca. Um crime perfeito.

Ainda imaginei a cena: Ricardo ao lado da mãe e de Bianca chorando no velório. Eu me aproximo e abraço meus amigos. “Meus sentimentos amigos”, digo. “Obrigado, você é o melhor amigo que já tivemos”, respondem emocionados.

O cortejo segue pelo cemitério. Acompanho junto com os demais, mas em posição de destaque, ao lado de Ricardo e Bianca, como se fizesse parte da família. Os demais presentes me observam com inveja, principalmente meu ex-colega que, como mero figurante, olha de longe. Queria estar no meu lugar.

Quando o corpo é sepultado, Ricardo se abraça comigo. Chora como uma criança. Abraço meu amigo pedindo que tenha muita força para superar tudo aquilo. Aquele momento era muito difícil para meu amigo. Não saio do seu lado.

Quando termina o enterro, Ricardo diz que quer falar comigo, chama-me no canto. “Você é meu melhor amigo”, diz, “hoje tive a prova disso”. Tento ser modesto, dizendo que não fiz mais do que minha obrigação, dando força a um amigo em um momento tão difícil de uma perda de um ente querido. Ricardo me interrompe, tem um convite muito importante para me fazer e que eu não tenho como recusar. Estou ansioso, meu coração bate forte. Olha-me fixo, estou apreensivo. Faz o convite: quer que eu assuma o cargo de diretoria na empresa no lugar de meu ex-colega. Confessa-me que tivera dois choques naquela mesma semana: a perda do pai e descobrira as falcatruas do antigo amigo que desviava dinheiro da empresa. Fico mudo, não tenho como acreditar naquele convite que esperava há anos. Aquela era a minha oportunidade. Faço um charme, digo que não tenho experiência e que não sei se estou preparado para um cargo tão importante. Em um gesto de carinho e espontaneidade, Ricardo tapa a minha boca. Ficarei ofendido se você recusar, fala com carinho e ternura. Um silêncio por alguns instantes. Olho para Ricardo e digo que aceito. Ricardo, com os olhos marejados, diz que aquilo é o mínimo que poderia fazer para retribuir minha amizade e tantos anos de fidelidade de minha parte e ingratidão por parte de meu pai. “Não fale mal de seu pai”, digo. “Ele não está mais entre nós, no fundo não era má pessoa, o mundo empresarial que o tornou tão frio e distante”. E ele completa emocionado: “você é a melhor pessoa que já conheci”.

Ricardo me pede sigilo. Por enquanto, não conte a ninguém sobre o meu convite. Apareça amanhã na reunião.

No dia seguinte, no horário combinado, apareço de terno e gravata na reunião. Toda a diretoria está reunida, inclusive meu ex-colega que me olha espantado, dá um sorriso sarcástico e, quando vai perguntar o que estou fazendo ali, Ricardo anuncia que serei um dos diretores da Torres Leal no seu lugar. Ele não acredita, dá um sorriso. Pergunta se aquilo é alguma brincadeira. Ricardo mostra as provas do dinheiro desviado da empresa por ele. Meu ex-colega se cala, está em um beco sem saída, foi pego de surpresa. Ricardo ameaça chamar a polícia, ele pede pelo amor de Deus e eu peço para não envolver a polícia nisso. Ele assina uma promissória e se vê obrigado a devolver o dinheiro. Ricardo olha com desprezo para o ex-colega: “Você está certo, não vamos perder tempo com pessoas desse tipo”. Obriga-o a assinar a promissória e manda se retirar. Humilhado, sai de cabeça baixa. Abraço Ricardo e prometo me dedicar ao máximo à empresa, e o convido para ser padrinho de meu casamento junto com Bianca.

Meus pensamentos são interrompidos por um carro em alta velocidade que joga água em mim passando por uma poça d’água. Parece o carro de meu ex-colega. Não deu para ver a placa. O que ele estaria fazendo ali àquela hora? Não, não podia ser ele.

NÃO PERCAM O ANTEPENÚLTIMO CAPÍTULO.

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2 Comentários

  1. Avatar

    Muito imaginativo o personagem Adulador. Folhetim muito bem feito.

  2. Avatar

    Expecfativa e realidade opostas.

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